sábado, 22 de novembro de 2008

EROS E PSIQUE - O MITO ORIGINAL

Há muito, muito tempo atrás, quando a terra (Gaia) ainda ficava nas imediações do céu (Urano) e os deuses ainda desposavam humanos, ocorreu um romance que marcou para todo o sempre toda a espécie humana. Ainda hoje sentimos todas as suas conseqüências.

A história começa com o nascimento das três filhas do rei da Jônia. As duas irmãs mais velhas eram tão belas que não lhes faltaram pretendentes tão logo desabrocharam. Homens de toda a estirpe lhes pediam insistentemente a mão em casamento, de sorte que acabaram por cedo se casarem com reis de pequenas cidades próximas. A caçula, contudo, teve um destino diferente. Sua extraordinária beleza, jamais vista, passou a ser objeto de admiração e depois de adoração dos vizinhos e depois de toda a Jônia, Peloponeso e Grécia. Caravanas se formavam com o objetivo de simplesmente poder observá-la à distância em seu passeio matinal pelos jardins do palácio.
Sua fama se avantajou de tal forma que acabou por chamar a atenção da própria Afrodite. Esta deusa, filha do próprio Zeus, até então a mais bela criatura de céus e terra, era a própria expressão da entrega amorosa feminina, seja aos amantes, seja aos filhos. Nada negava e tudo fazia para agradar e dar prazer aos seus felizes concubinos. Contudo, se tratava igualmente da personalidade mais intensamente ciumenta de que se tinham e se davam notícias. Pois bem, essa deusa dedicada ao amor e ao ciúme, ao tomar conhecimento da indescritível beleza de Psique (este era o nome da jovem) sentiu-se insultada em sua singularidade bela. Tomada pela ira, indagava: “como pode uma simples mortal querer se bater comigo, a filha de Zeus? É justo se permitir tal abuso?” Assim perguntando e já respondendo no interesse da pergunta decidiu castigar a insolente, chamando para perpetrar o castigo seu próprio filho, agente de romances tórridos, encrencas e contendas sexuais. Incumbiu-o de usar seu nefasto poder para fazer com que a petulante se apaixonasse, sem volta, pela criatura mais feia, esquálida, imprestável e ignóbil que encontrasse. Seria este seu merecido castigo.
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Embora a beleza de Psique fosse inimaginável e, talvez, mesmo por isso, os possíveis pretendentes, tomados, quem sabe, por súbita consciência de sua pequenez e insuficiências, se intimidavam, claudicavam e não concluíam o intento de lhe pedir em casamento.
Psique, apesar de toda a lisonja e prestígio, era essencialmente simples e, da vida, só esperava mesmo poder desposar o ser amado, a ele devotar seu sentimento e com ele atravessar os dias difíceis da existência com felicidade e alegria.
Triste pela demora em encontrar o sonhado pretendente, Psique se queixou ao pai que, compreendendo sua angústia, foi ter com o velho oráculo que muito lhe tinha ajudado no passado. Disse-lhe o oráculo que o destino havia determinado que levasse sua jovem filha ao alto de uma montanha onde seria tomada em núpcias por um ser que jamais lhe mostraria o rosto, mas que, contra tudo e todos, esforçar-se-ia para proteger a nubente. Os pais, contudo, deveriam renunciar a qualquer contato futuro com a filha, devendo dela se despedir para sempre.
Chorosos, os pais prepararam o cortejo, levaram a noiva ao alto da escarpa e, de lá retornando, deixaram aos prantos sua filha caçula à espera do misterioso noivo.
Psique, enxugando as lágrimas, percebeu, abrindo-se uma clareira, que logo adiante, havia um suntuoso palácio cravejado de pedrarias que de longe se percebia uma miríade de pontos luminosos fazendo dia em toda a sua volta. Quase se esquecendo das apreensões, Psique se pôs animada a caminhar em direção ao palácio. Lá chegando, foi imediatamente atendida por vozes que se punham a seu dispor como se escravos fossem. Apressaram em preparar-lhe o banho e lhe prepararam magnífica ceia. Após toda essa atenção, Psique, excitada e animada, aguardava com ansiedade o anfitrião que viria a ser seu esposo. Disse-lhe a voz que deveria recolher-se a seus aposentos, apagar os candeeiros e aguardar que seu pretendente viesse desposá-la. Assim fazendo, Psique pôde receber em seu leito um marido carinhoso, delicado e amante de tal intensidade que houve de se apaixonar, irremediavelmente, mesmo sem lhe ter visto o rosto.
A mesma rotina de atenção, amor e paixão se seguiu, dia após dia, tornando Psique a mulher mais completamente feliz da terra, apesar da distância dos queridos pais e irmãs. A felicidade viria a tornar-se ainda maior pela constatação de que havia já um herdeiro em seu ventre.
O esposo, contudo, lhe havia feito jurar que jamais tentaria ver-lhe o rosto, acontecesse o que fosse, pois, caso contrário, nunca mais voltaria a vê-lo. Psique concordou, feliz, em manter o segredo do esposo e o matrimônio mais maravilhoso que podia experimentar um vivente.
Eros, o misterioso esposo, que, na verdade, era o enviado filho de Afrodite, ao ver Psique, imediatamente se apaixonou à primeira vista por sua formosura e, ao invés de lhe trazer um ignóbil ser, foi ele próprio às núpcias com Psique e deveria, agora, manter-se incógnito para não atrair a ira de sua mãe por sua traição.

AS IRMÃS DE PSIQUE

A dor da saudade dos pais de Psique não tardaram a mobilizar os sentimentos de suas duas irmãs mais velhas. Decidiram essas, então, deixar suas cidades e fazer uma visita à família e buscar melhor entendimento sobre o destino da irmã caçula.
Já com os pais, resolveram rumar para o alto da montanha em que Psique havia sido deixada e buscar-lhe os rastros.
Chorosas e aflitas no alto do monte, gritaram pelo nome de Psique. Seu clamor era tão triste, apaixonado e sentido, que Psique se compadeceu das irmãs e pediu a Zéfiro, deus do vento, que as trouxesse a seu palácio.
Assim fez o prestimoso Zéfiro: soprando suavemente, formou sob os pés das irmãs uma mão de ar que, suavemente, as transportou para a entrada do palácio em que residia Psique. Para as irmãs de Psique foi uma experiência de completo deslumbramento pela beleza e riqueza do lugar: paredes cravejadas de brilhantes, castiçais de ouro e prata, tapetes finos da Macedônia, enfim, tudo no maior requinte, riqueza e sofisticação.
Abraços trocados, choros convulsivos e a dor da saudade, foram substituídos por um estado de euforia e enorme alegria por estarem ali as irmãs de novo reunidas.
Foi um dia de muitos prazeres para as irmãs de Psique, a melhor comida, a mais requintada bebida, banho nos mais belos aposentos para banho, culminando ao fim da expedição com presentes em jóias de ouro tão maravilhosas que jamais haviam visto. Parecia mesmo um pedaço do Olimpo. Antes de partirem, contudo, perguntaram pelo esposo de Psique. Psique, embaraçada, respondeu, no intento de não levantar suspeitas, ser seu esposo um viajante, o mais belo dos homens, cabelos com cachos de ouro, sensível e de inesgotável fervor amoroso. Partiram as irmãs mal se dando conta de uma ponta de inveja daquela irmã caçula que vivia como uma deusa.

A MALIGNA FORÇA DA INVEJA

Mal retornando à casa dos pais as duas irmãs, com o coração tomado pelo veneno da inveja, encetaram uma conversa, primeiramente lamuriosa, mas findando em dar vazão ao pior do espírito. “Vistes, minha irmã, quanta riqueza naquela casa, tanto esplendor?”. “E o que dizer daquela exibição de bondade: nos esfregar na cara o quanto vive bem, come bem e é bem amada. Trata-se de uma vaidosa, insolente”. “E as jóias a nós presenteadas! Quis nos humilhar, a irritante.” “E o marido-deus belo e amante inesgotável. O que quer de nós a perversa?”. “Eu pergunto: é justo eu, a mais velha, ter-me casado com um rei falido que me expõe a uma vida de privações, sem brilho, festas ou suntuosidades?”. “E quanto a mim, amada irmã, jovem e bonita recebi em bodas eternas um marido velho, torto, calvo como uma abóbora, sovina que tudo segura, sempre desconfiado de meus charmes, cujo único prazer conjugal é eu friccionar-lhe os dedos, braços e pés tortos e paralisados. Enfim, é preciso falar claro, minha irmã: não agüento ver tanta felicidade cair naquelas mãos tolas, vaidosas e exibidas. Tanta soberba, orgulho e arrogância têm de ser punida”.

A TRAMA
Um odioso pacto foi concluído pelas odiosas criaturas: haveriam de se vingar da inocente irmã caçula. Em marcha estava um complô detestável, um parricídio.
Retornando mais uma vez à casa de Psique, as irmãs se apresentam solícitas e, fingindo preocupação, põe em ação seu plano diabólico. “Sabemos, pequena irmã, que estás a esperar um lindo bebê que irá coroar sua felicidade e mal esperamos para tê-lo no colo para afagar-lhe os cabêlos e cobri-lo de beijos e mimos”. “Contudo, devemos dizer-lhe: estás sob grave ameaça, você e seu rebento.” “Soubemos de fonte segura e não podemos mantê-la ignorante: o homem maravilhoso com quem se casou, na verdade, trata-se da mais vil e horrenda das criaturas, na verdade um monstro disfarçado. Espera que você dê à luz seu anjinho para devorá-la, tendo o pequeno como repasto”. “Perguntamos a você, oh inocente irmã, conheces mesmo aquele que recebes à noite em sua alcova? Nada percebestes de estranho na figura?”
Tais palavras abriram uma enorme fenda na mente de Psique. Um abismo se abriu. Sua convicção e certeza ruíram, dando lugar primeiro à dúvida, depois ao medo e, por fim, fraquejando e se entregou cega aos cuidados das maldosas irmãs.
“Oh, amadas irmãs, tenho de confessar-lhes: jamais vi o rosto de meu marido. Recebo-o todas as noites com os candeeiros apagados, a seu pedido, jamais explicado.” “Pois saibas o perigo a que se expõe você e seu amado filho: serão devorados logo que se dê o parto do inocente”. “Temos que agir para que tal não ocorra”. “Eis o plano: esconda nos aposentos um punhal longo e afiado e um candeeiro com suficiência de óleo. Após o amor, quando estiver a besta pesadamente entorpecida pelo primeiro sono, tu te levantas cuidadosamente e, esgueirando-se pelo ambiente, primeiramente acendas o candeeiro e, de posse do punhal, te aproximas da criatura e, em um único e decidido golpe, penetras todo o punhal na garganta da fera. É tua única chance. Tua e de teu filho.”
Após ter atiçado o coração de Psique com sua linguagem incendiária, partem as duas irmãs, mal se contendo de tanta felicidade por seu pérfido intento.

O ATO
Foi um dia tortuoso para Psique. As emoções travam um combate: ora ela quer, ora não quer, duvida, reafirma e treme, arrebata-se e fraqueja. Em poucas palavras, ela detesta o monstro, mas adora o marido, ambos no mesmo ser. Mas a noite virá e Psique se entrega aos preparativos da maldade.
Chegada a noite, como de costume, Psique apaga os candeeiros para que o marido adentre os aposentos. O marido vem a seu leito e Psique o recebe com tamanha intensidade no amor que Eros cai exausto após horas de entrega.
A força abandona Psique, o coração falha e o medo age. A sorte foi lançada e é impiedosa. Adeus timidez feminina! Psique se levanta, acende o candeeiro, recolhe o punhal e, iluminando o corpo do marido que jaz adormecido nu sobre a cama, ao invés de um monstro, uma criatura horrenda, depara-se com o mais belo dos homens: o corpo esculpido, os cabelos com cachos de ouro, os lábios grossos e vermelhos em uma atitude angelical de sono só encontrada naqueles que nada escondem, nenhuma malícia, nenhum intento torpe. Psique, de súbito, percebe o grave engano a que fora levada pelo maldoso intento de suas irmãs: não se tratava de um monstro, mas de um deus prestimoso e apaixonado que não se cansara de lhe advertir contra as tentações maldosas. Ainda mais apaixonada, ficou paralisada na contemplação do marido dormindo. Mas o êxtase a fez tremer a mão e, destino cruel, uma gota de óleo fervente foi cair no ombro do marido que prontamente despertou e logo atinou com o que havia sido perpetrado.
Eros, desapontado com a traição da amada, deu um passo atrás ao ver Psique implorando seu perdão, ajoelhada a seus pés. “Oh marido, o mais belo dos homens, deus do amor, meu prestimoso protetor incansável, eis que esta mulher, tendo sido levada à dúvida por pérfida trama de irmãs invejosas, lobos em pele de cordeiro, ousou contra ti o mais horrendo e detestável plano, pois bem, venho suplicar teu perdão, pois não saberia viver longe de ti. Me castigue como e quanto quiseres, mas imploro-te: perdoas-me”.
“Oh amantíssima e inesquecível Psique, oh amor mais puro, oh tu que tens no corpo o gosto do mel, que exalas o odor da hortelã, que dos lábios parece verter o mais delicioso leite, néctar da paixão e companhia terna. Digo, amor insubstituível, já não lhe posso mais proteger, já não lhe posso mais amar, já não lhe posso mais ter. Eis que minha mãe, a poderosa Afrodite, enviou-me para castigá-la por sua perturbadora beleza. Ao invés de filho obediente, pequei contra minha mãe e me dei a ti em bodas. Nada de mal permitiria que caísse sobre você, meu secreto amor. Pedi-te, supliquei-te que não desvendasse minha verdadeira identidade, mas você não me ouviu. Diante da súplica do amor, desviaste e permitiste que caísse sobre ti a dúvida, o medo e a destruição. Não acreditaste na beleza: preferiste o pérfido. Acenei-te com a sinceridade, tu me devolveste descrédito. De meu coração só saiu lealdade e de ti veio a traição. A teu lado dormi, inteiramente entregue. Tu dormiste com um olho fechado e o outro aberto. Nosso destino agora, gentil amada, será traçado por minha mãe, que não tardará a saber de meu embuste”. Concluindo essas palavras, o taciturno e cabisbaixo Eros, sem olhar para trás, se levanta em vôo para ter com sua mãe no Olimpo.


AFRODITE TRAÇA O DESTINO DE EROS E PSIQUE

“Minha mãe, poderosa Afrodite, a mais dedicada de todas as mães, sabendo de minha perfídia contra ti, venho colocar-me sob seu julgo e declarar plena aceitação da punição que a justiça divina me destinar. Nada pode justificar a traição que pratiquei contra ti e não ouso me desculpar, mas é preciso que lhe diga que o que fiz, fi-lo porque fui arrebatado pelo mais intenso, terno e puro dos sentimentos: ao ver PSIQUE, imediatamente caí apaixonado por aquela que jamais esquecerei.”
“Meu pobre EROS, como pôde se desviar do caminho que lhe tracei? Não é verdade que fostes dotado para a conquista e que nenhuma mulher jamais poderia resistir a ti? Acaso não fui eu que assim o pedi ao grande ZEUS? Uma única mulher em toda a Gaia não podias tocar e esse único e mísero pedido que lhe fiz tu houveste de relegar ao esquecimento. Pensa: mereço eu tal paga? Pois bem, eis minha sentença: EROS e PSIQUE jamais tornarão a se encontrar. Reconhecido ao longe, tua aparência se modificará ao te aproximares da pequena detestável. De um deus que és, te converterás em gentio simples. Conservarás a memória, mas perderás a aparência. Vagarão pela eternidade em furtivos e frustrados encontros. Agora parte em busca de seu destino!”

A CONSEQUÊNCIA PARA OS HUMANOS

Desde esse fatídico dia, a mente (PSIQUE) só faz buscar o amor (EROS) sem jamais encontrá-lo. Reconhecido ao longe, sempre confunde e desaparece quando de perto, num eterno buscar, buscar sem jamais encontrar. Não é mesma essa a condição humana? Responda você.

Releitura: E. M. B.

Um comentário:

Rose Kowalezuck disse...

Nasci e minha busca dez dos 2 anos sempre foi pelo amor da minha existência!
Hoje em 3 anos,sinto ele parte de mim e vivemos um amor tão entregue um ao outro,q não existem limites p nossas descobertas...Ele fala não acreditar em Deus,mas o amor q ele sente e eu por ele,é imprecionante,não há regras,não há ciumes,a confiança é imensa,jamais houve duvidas,e,entre nós,não a idade,não vemos um ao outro em nossas aparências....Somos corpo alma e coração! Sentimos tudo o q o outro sente,pode ser dores ou felicidade....