O filósofo Thomas Hobbes (sec
XVII) publicou um libelo contra o estado de natural barbárie entre os homens (“todos
contra todos”), que deveria ser domado por um acordo, um “contrato social”, no
qual cada um cederia uma parcela de seu poder pessoal para a instauração de
poder maior e capaz de impor o respeito às regras contratadas. Esse agente supremo
seria o estado, a personificação do próprio Leviatã. Parece ter escapado a
Hobbes que um estado poderoso iria, necessariamente, criar uma casta de
funcionários que teria de ter o poder de fazer valerem as imposições vindas do
estado, criando um desequilíbrio na distribuição do poder ainda maior que o
encontrado no estado de natureza. Os perigos de um estado forte e guloso só
foram desvelados ao longo dos séculos posteriores.
A experiência concreta que tive
hoje me trouxe de volta essa leitura que fiz do Leviatã, há mais de vinte anos.
Sucedeu o seguinte. Comprei, de
um particular, um carro para meu filho e hoje fomos ao cartório para o
reconhecimento das firmas e, em seguida, aos bancos para efetuar o pagamento e
receber os documentos e as chaves do carro, dando por finalizada a transação.
Uma
parte do dinheiro estava no Itaú e, a outra, na CAIXA. Fomos, primeiro, ao
ITAÚ, ag da praça da Nova Suíça (Goiânia-go). Estava fechada em razão da greve.
Falei com um e outro, e logo me apareceu
um gerente, atencioso, que me informou não ser possível o saque do numerário,
mas colocou à minha disposição a transferência ON-LINE, via TED (transferência
eletrônica de créditos). Aceitei e, prontamente, foi feita a transferência do
valor para a conta do vendedor do automóvel.
Em
seguida, fomos à CAIXA, ag. Marista (Goiânia – Go), que também se encontrava
fechada em razão da greve. Aqui começaram os meus problemas. Havia apenas os
vigilantes e um estagiário naquele ambiente anterior à porta-giratória. O
estagiário recusou de forma até grosseira a minha entrada para falar com algum
dos gerentes e explicar minha situação. Também não aceitou, ele próprio, chamar
o gerente para falar comigo. Depois de muito insistir, me passou o telefone do
gerente.
Liguei
para o tal gerente, expus a grave situação em que me encontrava (afinal, já
havia pago a metade do valor do carro, com a transferência feita através do
ITAÚ e precisava completar o pagamento
para pegar as chaves e a documentação do veículo). Qual nada! O dito gerente,
sempre com a voz de quem está dando ordens a um subalterno, declarou enfático: “não
vou fazer nenhuma transferência, a greve está muito fechada aqui na ag Marista”.
Voltei a explicar-lhe o quão delicada era a situação, com possibilidade,
inclusive do prejuízo dos valores já pagos, mas o “gerente” manteve-se
irredutível e sempre com aquele jeito repugnante de quem faz ares de estar
recusando um pedido de favor.
Moral
da história: tivemos de fazer, eu e o vendedor, um acordo. Levamos o carro para
a garagem de sua casa e as chaves e os documentos ficaram comigo. Essa patética
situação irá perdurar até que a greve da CAIXA seja suspensa. É mole! Eu fio
com as chaves e o documento do veículo e o carro fica trancado na garagem do
vendedor.
A
diferença de tratamento entre os dois bancos, ambos em greve, é reveladora dos
dois modos de perceber a relação estado/sociedade. Pelo primeiro, a sociedade é
vista como cliente, que tem poder decisório e, por isso, deve ser atendida e
satisfeita. O segundo modo revela uma relação de subordinação da sociedade ao
estado. Ou seja, o estado manda e a sociedade obedece.
É
claro que isso é uma horrível, autoritária e distorcida visão, pois “o estado nada dá que antes não
tenha tirado da sociedade”. Talvez seja por isso que meu espírito libertário
nunca tenha se adaptado a trabalhar em
um banco estatal, apesar dos dezoito anos que ali permaneci.
O
estatismo é uma doença da alma, pois acredita que a sociedade deve servir ao
governo e não o contrário.
É
esse o vírus que infecta o serviço público no Brasil, desde as capitanias
hereditária. O desinfetante é a consciência e a crítica permanentes. A luta
contra o estado-tirânico é a verdadeira lula pela liberdade e democracia!
Quanto maior o estado, maior o despotismo
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