quarta-feira, 10 de julho de 2013

A CRISE NO BRASIL: A VERDADE DO PROBLEMA OU O PROBLEMA DA VERDADE!



o que há em comum com essas três imagens?



A CRISE NO BRASIL: A VERDADE DO PROBLEMA OU O PROBLEMA DA VERDADE!
As manifestações recentes no Brasil expressam sentimentos e percepções das pessoas sobre o Brasil que não parecem ter sido devidamente compreendidos em toda sua extensão. Procuro aqui, a partir dos sinais observáveis, rastrear suas motivações mais centrais no seio da população brasileira.
            Começando pelo começo. Ali, no início, temos um grupo esquerdista radical chamado “Movimento Passe Livre”. O que queriam eles (como em geral todos os movimentos esquerdistas querem): em um primeiro momento atacar o governo Alckmin (São Paulo); visavam fomentar o descontentamento popular que viria a facilitar a conquista do governo nessa eleição de 2014 (isso está inteiramente documentado). A longo prazo, o movimento trabalha pela “socialização” do transporte público, ou seja, estatizar as empresas de ônibus e tornar o serviço gratuito.
            Contudo, as manifestações cresceram, a agenda ampliou-se e esse grupo iniciante – Movimento Passe Livre – perdeu o controle da convocação e gerenciamento de novas manifestações. De certa forma, as pessoas passaram a se autodeterminar, encontrar seu próprio tema e investir em manifestações plurais. Assim, a agenda que era exclusiva do valor das passagens passou a incluir o péssimo serviço do transporte, avançou na questão da saúde pública (de resto, um  sumidouro do dinheiro público para um atendimento precaríssimo), concentrou-se na qualidade (falta) da escola pública (hoje, nada mais que fábrica da “cidadania analfabeta”) e aferrou-se ao tema da corrupção que assola a Nação de norte a sul e desse tema não mais saiu.
            O tema da corrupção pegou os políticos em cheio. A classe toda foi questionada, embora alguns tenham catalisado a contestação maior (Dilma, Cabral, Renan e Haddad, entre outros). O fato é que nosso país se tornou o império do faz-de-conta que a realidade, como sempre faz, acabaria por restaurar a verdade. Vejamos. Não é verdade que a publicidade do governo nos passa uma imagem de um Brasil maravilhoso, com uma educação primorosa, estradas excelentes,  saúde pública “à beira da perfeição”, combate “incansável” à corrupção, entre outras belezas, como sediar a COPA de 2014 e as OLIMPÍADAS de 2016? Eta Brasil vigoroso, haja progresso! É muito difícil à pessoa mediana não ser traída por esse clima criado pela propaganda oficial e embarcar na ilusão do BRASIL PERFEIÇÃO, BRASIL POTÊNCIA!
            A REALIDADE SEMPRE SE IMPÕE. Por mais que uma pessoa queira viver em uma ilusão, a realidade não cessa de existir. Essa condição dada pelo real implica, por parte do sujeito, um enorme esforço de “fuga-esquiva” para não “bater de frente” com a realidade. Como no caso de um amigo falso e interesseiro que vai aprontando e o sujeito faz um enorme esforço para não perceber os sinais e ações que denotam a inadequação daquela amizade. Por mais que se esforce e queira manter a amizade, chegará ao momento em que toda a ilusão será diretamente confrontada com a realidade e a amizade explodirá (observe o exemplo do genial artista pop Michael Jackson e sua vida fantasiosa na Terra do Nunca). Mutatus mutandi, quando o ilusionista é o governo e o iludido é a população, não é o povo quem empreende o esforço de luta-esquiva, mas o sistema governo é quem o faz. E o faz filtrando tudo aquilo que toma corpo no ambiente de comunicação de massa (rádio, tvs, jornais e net). Para isso, usa, por um lado, o controle (por meio do assédio financeiro) dos agentes de mídia e, por outro, a produção e difusão de uma “boa notícia” oposta aos fatos. Para ilustrar o que afirmo, dou os seguintes exemplos. Entre 2005 e 2006, o governo do Presidente Lula passou por uma crise de confiança avassaladora desencadeada pelo chamado “escândalo do Mensalão”. Muito bem, o que fez o governo, logo após o “esfriamento” midiático do tema? Contratou uma “boa nova”: a autossuficiência brasileira em petróleo. Fotos do Presidente sujando as mãos com o “ouro negro” saiu em todas as televisões, jornais, revistas, blogs da internet em uma ação coordenada e maciça. Tática: as notícias ruins começaram a ser barradas enquanto que a “boa nova” sobre o petróleo foi difundida exaustivamente em todos os quadrantes e mídias nacionais. A consequência, todos sabem, foi a elevação às alturas da popularidade do Presidente Lula. É claro que foi tudo uma ação ilusionista pois somente nos três primeiros meses deste ano, o Brasil gastou quase quatro bilhões de dólares para pagar o petróleo importado. A autossuficiência jamais fora alcançada! Detalho outro exemplo desse mecanismo. Nesse mesmo 2006, o Brasil vivia, como sempre, mergulhado em denúncias de deficiências na área da saúde. O Presidente Lula, durante a inauguração de um serviço de pronto-socorro em um hospital público de Porto Alegre, declarou taxativamente “Eu acho que não está longe da gente a atingir a perfeição no tratamento de saúde neste país". Consequência: as matérias críticas foram para a geladeira enquanto que o tom ufanista de perfeição do sistema público de saúde dominou toda a agenda dos vários veículos de mídia. Falar das deficiências do SUS passou a ser quase um ato de traição à pátria. Contudo, sempre se soube que a saúde no Brasil era péssima, somente não havia um mecanismo de simbolizar isso ao grande público.
            O mesmo mecanismo foi adotado em amplas áreas do serviço público. Saúde, educação, justiça, estradas, combate aos danos da seca, saneamento básico etc etc. Ao final, criou-se um paralelismo entre dois mundos: o mundo da ilusão (onde o Brasil é róseo) e o mundo real (a dureza do dia-dia na saúde, estradas, transportes, educação etc). O sistema de fuga-esquiva foi se intensificando na mesma medida em que as precariedades foram se tornando mais sensíveis e perceptíveis, até o ponto em que a realidade, como sempre acontece, se impôs e as pessoas começaram enxergar a realidade crua e nua. Foi uma operação de desilusão e revolta dessa natureza o fator motivador mais profundo das presentes manifestações de rua.
            Podemos agora, com mais profundidade, entender a situação de revolta atual como uma crise da verdade. No Brasil, o amor pela verdade foi atirado no lixo; tudo passou a um mero jogo de versões: quem pode mais se impor aos meios de comunicação se sagra vitorioso, sendo ou não verdadeiro. É a revolta  contra o beco-sem-saída de não ter a verdade como referência do REAL a motivação de base do quadro atual.
            O desprezo pela verdade nos leva a duas considerações: uma lógica e outra de cunho moral. No campo da lógica, um sistema em que alguns mentem pode funcionar, pois a maioria que não mente vai, por assim dizer, reciclando a informação, eliminando o desvio e repondo a adequação ao real. É isso que ocorre nas democracias mais consistentes e perenes do mundo. Por outro lado, um sistema em que todo o conjunto político mente, o afastamento da verdade vai se tornando tão intenso e extenso que acaba construindo uma realidade paralela (pseudo-realidade), que será destruída pelo choque com o REAL. É o que ocorreu em regimes despóticos, como o fascismo, o comunismo soviético, o nacional socialismo de Hitler e o ocorre, hoje, em “paraísos” como a Venezuela, Bolívia e Cuba, entre tantos outros. Do ponto-de-vista moral, o amor à verdade é o elemento que faz com que a pessoa não desintegre seu “eu” em várias versões e acabe por não saber, ao final, quem realmente é, resultando em uma das várias patologias de despersonalização. Também é o amor à verdade que faz com que homens confiem uns nos outros e que o que se disse hoje não será negado amanhã. Sem um mínimo de confiança mútua, a civilização, simplesmente, seria impossível.
            Do ponto-de-vista filosófico, a verdade se tornou o patinho feio desde o início da modernidade. Descartes colocou o REAL em dúvida, os empiristas ingleses reduziram o REAL aos sentidos, Kant decretou o REAL incognoscível. Mais recentemente, Wittgenstein reduziu o REAL a jogos de linguagem. É incontável o número de filósofos modernos, de grande importância na história da filosofia, cujo escopo de suas obras foi o desaparecimento da REALIDADE, enquanto SER independente do sujeito. Toda essa decadência do pensamento levou o mundo ocidental ao relativismo; primeiro, o epistemológico, depois, o moral. As tragédias representadas pelas duas grandes guerras ocorridas no século passado e os milhões de vítimas dos regimes totalitários estão aí para demonstrar que ideias filosóficas não são brincadeiras ingênuas.
            Tudo o que é ruim no mundo, é pior no Brasil. O relativismo moral contra o qual Europa e Estados Unidos conseguiram reagir (ao menos, parcialmente), no Brasil cresceu assustadoramente. As pessoas já não sabem discernir quem é o bandido entre o assassino, a polícia e a vítima. Na imensa maioria das vezes, o bandido é a polícia, quando não, a própria vítima. Outro exemplo ainda mais avassalador do relativismo moral que dominou toda a nossa intelectualidade (argh!), mídia e escolas é a proposição imoral de tornar o crime de corrupção hediondo e não dizer uma só palavra sobre os 55.000 assassinatos que ocorrem anualmente no País. Quer dizer: o crime contra o patrimônio se tornou mais importante e visível que matar um ser humano. Já virou piada macabra, mas é importante lembrar: se você mata alguém e tem um bom advogado, jamais irá para a cadeia; mas se você mata um mico-leão dourado, pode ter certeza, vai pegar cana certa.
            O Brasil precisa recuperar o caminho para a verdade como norte moral da Nação. É claro que a responsabilidade maior cabe (como historicamente sempre coube) às nossas elites intelectuais, políticas e religiosas, por seu poder de se fazerem imitadas.  Contudo, o cidadão comum pode sair da posição imitativa, passar para a posição ativa e se tornar polo de resistência. Para isso, é preciso que cada um de nós exija dos nossos políticos a palavra verdadeira. Temos que abolir de uma vez por todas os jeitinhos. O sujeito deve falar aquilo que realmente pensa ou deseja: é o ponto fundamental. Se o sujeito é favorável ao casamento gay, ele deve deixar isso claro; se é a favor do aborto, que o diga, oras; se é a favor de que os menores tenham autorização para o assassinato, que mostre suas razões e fale; se é a favor do modelo educacional que permite aos alunos avançarem de uma série para outra sem nada saberem, que o diga; se é a favor de separar áreas maiores para os indígenas, que fale; se acha que o crime é coisa de gente pobre e não uma consequência da impunidade que fale. Não existe solução milagrosa para tantos problemas, mas qualquer que seja a solução, sempre passará pelo reencontro da Nação com a Verdade. O Brasil não pode mais ser a Terra da Mentira!


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