o que há em comum com essas três imagens?
A CRISE NO BRASIL:
A VERDADE DO PROBLEMA OU O PROBLEMA DA VERDADE!
As
manifestações recentes no Brasil expressam sentimentos e percepções das pessoas
sobre o Brasil que não parecem ter sido devidamente compreendidos em toda sua
extensão. Procuro aqui, a partir dos sinais observáveis, rastrear suas
motivações mais centrais no seio da população brasileira.
Começando pelo começo. Ali, no
início, temos um grupo esquerdista radical chamado “Movimento Passe Livre”. O
que queriam eles (como em geral todos os movimentos esquerdistas querem): em um
primeiro momento atacar o governo Alckmin (São Paulo); visavam fomentar o
descontentamento popular que viria a facilitar a conquista do governo nessa
eleição de 2014 (isso está inteiramente documentado). A longo prazo, o
movimento trabalha pela “socialização” do transporte público, ou seja,
estatizar as empresas de ônibus e tornar o serviço gratuito.
Contudo, as manifestações cresceram,
a agenda ampliou-se e esse grupo iniciante – Movimento Passe Livre – perdeu o
controle da convocação e gerenciamento de novas manifestações. De certa forma,
as pessoas passaram a se autodeterminar, encontrar seu próprio tema e investir
em manifestações plurais. Assim, a agenda que era exclusiva do valor das
passagens passou a incluir o péssimo serviço do transporte, avançou na questão
da saúde pública (de resto, um sumidouro
do dinheiro público para um atendimento precaríssimo), concentrou-se na
qualidade (falta) da escola pública (hoje, nada mais que fábrica da “cidadania
analfabeta”) e aferrou-se ao tema da corrupção que assola a Nação de norte a
sul e desse tema não mais saiu.
O tema da corrupção pegou os
políticos em cheio. A classe toda foi questionada, embora alguns tenham catalisado
a contestação maior (Dilma, Cabral, Renan e Haddad, entre outros). O fato é que
nosso país se tornou o império do faz-de-conta que a realidade, como sempre
faz, acabaria por restaurar a verdade. Vejamos. Não é verdade que a publicidade
do governo nos passa uma imagem de um Brasil maravilhoso, com uma educação
primorosa, estradas excelentes, saúde
pública “à beira da perfeição”, combate “incansável” à corrupção, entre outras
belezas, como sediar a COPA de 2014 e as OLIMPÍADAS de 2016? Eta Brasil
vigoroso, haja progresso! É muito difícil à pessoa mediana não ser traída por
esse clima criado pela propaganda oficial e embarcar na ilusão do BRASIL
PERFEIÇÃO, BRASIL POTÊNCIA!
A REALIDADE SEMPRE SE IMPÕE. Por
mais que uma pessoa queira viver em uma ilusão, a realidade não cessa de
existir. Essa condição dada pelo real implica, por parte do sujeito, um enorme
esforço de “fuga-esquiva” para não “bater de frente” com a realidade. Como no
caso de um amigo falso e interesseiro que vai aprontando e o sujeito faz um
enorme esforço para não perceber os sinais e ações que denotam a inadequação
daquela amizade. Por mais que se esforce e queira manter a amizade, chegará ao
momento em que toda a ilusão será diretamente confrontada com a realidade e a
amizade explodirá (observe o exemplo do genial artista pop Michael Jackson e
sua vida fantasiosa na Terra do Nunca). Mutatus
mutandi, quando o ilusionista é o governo e o iludido é a população, não é
o povo quem empreende o esforço de luta-esquiva, mas o sistema governo é quem o
faz. E o faz filtrando tudo aquilo que toma corpo no ambiente de comunicação de
massa (rádio, tvs, jornais e net). Para isso, usa, por um lado, o controle (por
meio do assédio financeiro) dos agentes de mídia e, por outro, a produção e
difusão de uma “boa notícia” oposta aos fatos. Para ilustrar o que afirmo, dou
os seguintes exemplos. Entre 2005 e 2006, o governo do Presidente Lula passou
por uma crise de confiança avassaladora desencadeada pelo chamado “escândalo do
Mensalão”. Muito bem, o que fez o governo, logo após o “esfriamento” midiático
do tema? Contratou uma “boa nova”: a autossuficiência brasileira em petróleo.
Fotos do Presidente sujando as mãos com o “ouro negro” saiu em todas as
televisões, jornais, revistas, blogs da internet em uma ação coordenada e
maciça. Tática: as notícias ruins começaram a ser barradas enquanto que a “boa
nova” sobre o petróleo foi difundida exaustivamente em todos os quadrantes e mídias
nacionais. A consequência, todos sabem, foi a elevação às alturas da
popularidade do Presidente Lula. É claro que foi tudo uma ação ilusionista pois
somente nos três primeiros meses deste ano, o Brasil gastou quase quatro
bilhões de dólares para pagar o petróleo importado. A autossuficiência jamais
fora alcançada! Detalho outro exemplo desse mecanismo. Nesse mesmo 2006, o
Brasil vivia, como sempre, mergulhado em denúncias de deficiências na área da
saúde. O Presidente Lula, durante a inauguração de um serviço de pronto-socorro
em um hospital público de Porto Alegre, declarou taxativamente “Eu acho que não está longe da gente a
atingir a perfeição no tratamento de saúde neste país". Consequência: as
matérias críticas foram para a geladeira enquanto que o tom ufanista de
perfeição do sistema público de saúde dominou toda a agenda dos vários veículos
de mídia. Falar das deficiências do SUS passou a ser quase um ato de traição à
pátria. Contudo, sempre se soube que a saúde no Brasil era péssima, somente não
havia um mecanismo de simbolizar isso ao grande público.
O mesmo
mecanismo foi adotado em amplas áreas do serviço público. Saúde, educação,
justiça, estradas, combate aos danos da seca, saneamento básico etc etc. Ao
final, criou-se um paralelismo entre dois mundos: o mundo da ilusão (onde o
Brasil é róseo) e o mundo real (a dureza do dia-dia na saúde, estradas,
transportes, educação etc). O sistema de fuga-esquiva foi se intensificando na
mesma medida em que as precariedades foram se tornando mais sensíveis e
perceptíveis, até o ponto em que a realidade, como sempre acontece, se impôs e
as pessoas começaram enxergar a realidade crua e nua. Foi uma operação de
desilusão e revolta dessa natureza o fator motivador mais profundo das
presentes manifestações de rua.
Podemos
agora, com mais profundidade, entender a situação de revolta atual como uma
crise da verdade. No Brasil, o amor pela verdade foi atirado no lixo; tudo
passou a um mero jogo de versões: quem pode mais se impor aos meios de
comunicação se sagra vitorioso, sendo ou não verdadeiro. É a revolta contra o beco-sem-saída de não ter a verdade
como referência do REAL a motivação de base do quadro atual.
O desprezo
pela verdade nos leva a duas considerações: uma lógica e outra de cunho moral. No
campo da lógica, um sistema em que alguns mentem pode funcionar, pois a
maioria que não mente vai, por assim dizer, reciclando a informação, eliminando
o desvio e repondo a adequação ao real. É isso que ocorre nas democracias mais
consistentes e perenes do mundo. Por outro lado, um sistema em que todo o
conjunto político mente, o afastamento da verdade vai se tornando tão
intenso e extenso que acaba construindo uma realidade paralela
(pseudo-realidade), que será destruída pelo choque com o REAL. É o que ocorreu
em regimes despóticos, como o fascismo, o comunismo soviético, o nacional
socialismo de Hitler e o ocorre, hoje, em “paraísos” como a Venezuela, Bolívia
e Cuba, entre tantos outros. Do ponto-de-vista moral, o amor à verdade é o
elemento que faz com que a pessoa não desintegre seu “eu” em várias versões e
acabe por não saber, ao final, quem realmente é, resultando em uma das várias
patologias de despersonalização. Também é o amor à verdade que faz com que
homens confiem uns nos outros e que o que se disse hoje não será negado amanhã.
Sem um mínimo de confiança mútua, a civilização, simplesmente, seria impossível.
Do
ponto-de-vista filosófico, a verdade se tornou o patinho feio desde o início da
modernidade. Descartes colocou o REAL em dúvida, os empiristas ingleses reduziram
o REAL aos sentidos, Kant decretou o REAL incognoscível. Mais recentemente, Wittgenstein
reduziu o REAL a jogos de linguagem. É incontável o número de filósofos
modernos, de grande importância na história da filosofia, cujo escopo de suas
obras foi o desaparecimento da REALIDADE, enquanto SER independente do sujeito.
Toda essa decadência do pensamento levou o mundo ocidental ao relativismo;
primeiro, o epistemológico, depois, o moral. As tragédias representadas pelas
duas grandes guerras ocorridas no século passado e os milhões de vítimas dos
regimes totalitários estão aí para demonstrar que ideias filosóficas não são brincadeiras
ingênuas.
Tudo o que é ruim no mundo, é pior
no Brasil. O relativismo moral contra o qual Europa e Estados Unidos
conseguiram reagir (ao menos, parcialmente), no Brasil cresceu
assustadoramente. As pessoas já não sabem discernir quem é o bandido entre o
assassino, a polícia e a vítima. Na imensa maioria das vezes, o bandido é a
polícia, quando não, a própria vítima. Outro exemplo ainda mais avassalador do
relativismo moral que dominou toda a nossa intelectualidade (argh!), mídia e
escolas é a proposição imoral de tornar o crime de corrupção hediondo e não
dizer uma só palavra sobre os 55.000 assassinatos que ocorrem anualmente no
País. Quer dizer: o crime contra o patrimônio se tornou mais importante e
visível que matar um ser humano. Já virou piada macabra, mas é importante
lembrar: se você mata alguém e tem um bom advogado, jamais irá para a cadeia;
mas se você mata um mico-leão dourado, pode ter certeza, vai pegar cana certa.
O Brasil precisa recuperar o caminho
para a verdade como norte moral da Nação. É claro que a responsabilidade maior
cabe (como historicamente sempre coube) às nossas elites intelectuais,
políticas e religiosas, por seu poder de se fazerem imitadas. Contudo, o cidadão comum pode sair da posição
imitativa, passar para a posição ativa e se tornar polo de resistência. Para
isso, é preciso que cada um de nós exija dos nossos políticos a palavra
verdadeira. Temos que abolir de uma vez por todas os jeitinhos. O sujeito deve
falar aquilo que realmente pensa ou deseja: é o ponto fundamental. Se o sujeito
é favorável ao casamento gay, ele deve deixar isso claro; se é a favor do
aborto, que o diga, oras; se é a favor de que os menores tenham autorização
para o assassinato, que mostre suas razões e fale; se é a favor do modelo
educacional que permite aos alunos avançarem de uma série para outra sem nada
saberem, que o diga; se é a favor de separar áreas maiores para os indígenas,
que fale; se acha que o crime é coisa de gente pobre e não uma consequência da
impunidade que fale. Não existe solução milagrosa para tantos problemas, mas
qualquer que seja a solução, sempre passará pelo reencontro da Nação com a
Verdade. O Brasil não pode mais ser a Terra da Mentira!
Nenhum comentário:
Postar um comentário