Trotsky no leito de morte
Ramón Mercader - o assassino de Trotsky
O horror é, por natureza, algo
que não se gosta de ver. Assusta, entristece,retrai e degrada, no momento mesmo,
quem dele se toma conhecimento. Quando tomamos conhecimento do horror,
simultaneamente, nos vem todo o sentido da maldade humana. De uma só tacada,
ficamos horrorizados do que pode fazer o ser humano e desnorteados porque
humanos também somos.
Há muito tenho estudado as
loucuras sangrentas que os totalitarismos COMUNO-FASCISTAS fizeram ao longo do
séc. XX. Na União Soviética, durante o período stalinista, 20 milhões de almas
foram sacrificadas na pira do movimento que queria criar um novo homem, um novo
espírito. No comunismo chinês, o que menos importava era o ser humano e, por
isso, 80 milhões perderam a vida para que o ditador MAO avançasse em seu
projeto humanizador.
Contudo, vendo os comunistas
brasileiros, alguns bem próximos a mim, abria-se uma lacuna emocional e
cognitiva que os separava de todas essas torpezas lá do outro lado do mundo.
Não encaixava em meu espírito que aqui, por essas bandas, pessoas que se
arriscaram contra o regime militar seriam capazes de praticar o assassinato
premeditado. Talvez, por essa razão, mais emocional que racional, eu sempre lidei
com a morte do Celso Daniel (ex-prefeito de Campinas-SP) como coisa de
bandidos, sem nenhuma vinculação política. Quando a família do morto veio a
público denunciar que Celso havia sido assassinado porque discordara das
operações de uma certa “máfia do lixo”, que canalizava recursos para o PT, eu
me assustei, mas ainda assim me mantive em dúvida se aquela história toda não
passava mesmo de uma formidável “teoria da conspiração”.
A solução me veio com a maior
clareza em razão da leitura de uma obra que narra a trama para o assassinato de
Trotsky pelo ex amigo e companheiro Stalin. “O homem que amava os cachorros” é
o título em português da magistral obra
do cubano Leonardo Padura (Boitempo, 2015).
Essa obra, humana no limite do
humano, esclareceu para meu espírito, de uma vez por todas, como ocorre a
transmutação de um homem comum em uma criatura fria insensível e assassina.
Trata-se do jovem Ramón Gadamer. Oriundo das classes abastadas da Espanha,
Ramón tinha a graça e a inteligência dos jovens da sua idade (embora meio
solitário na infância) até que conflitos familiares
o levaram a seguir sua mãe em uma vida de pobreza. Revoltado contra o “sistema”,
Ramón, mais uma vez acompanha sua mãe e se inscreve para lutar na guerra civil
espanhola, ao lado dos comunistas. Até ser recrutado por sua própria mãe para
aquela que seria a mais importante missão de sua vida de comunista: assassinar
o dissidente Trotsky! Para isso deveria partir para o exílio, não só de sua
pátria, mas um exílio completo de seu nome, sua nacionalidade, seu passado.
Tudo que pudesse identificá-lo deveria ser retirado de sua nova vida de agente
secreto de Stalin.
E, assim, nessa dinâmica de
transmutação, a única coisa que deveria permanecer estável em sua alma era o
sentimento do mais profundo amor e a mais completa devoção à causa
revolucionária. É nesse processo de esvaziar-se de si mesmo, de qualquer
vestígio de seu eu, e preencher-se pelo ódio e dever revolucionários que o
homem comum se torna uma máquina revolucionária. Não importam as dores de
milhares ou milhões, não importam a fome e o frio de milhares ou milhões, não importa a morte de milhares ou milhões. O
que importa, o que verdadeiramente tem importância é a revolução. E é sob esse novo paradigma que sua história
deve ser reescrita: cada pensamento, cada significado, cada sentimento, cada
emoção teriam agora um novo sentido dado pelo objetivo revolucionário. Toda a
moral se torna serva do objetivo revolucionário: moral é o que contribui com a
revolução; imoral é tudo o que se opõe à revolução, ainda que seja o próprio amor
de mãe, ou o amor de Deus!
E é assim, transmutado, que o
jovem Ramón Gadamer vai em frente, faz amizade com sua vítima e acaba por matá-lo
com golpes de picareta. Arrependimento? Nenhum até o final de sua vida. Somente
comunica um vazio que a vida lhe transmitiu: “algo que poderia ter sido e não
foi”. Talvez esse vazio fosse mesmo resquícios de sua alma destruída, apeada e
esvaziada de sua própria identidade a denunciar a mutilação.
Agora compreendo como o
diabólico pode agir, agora compreendo Celso Daniel, agora compreendo o PT!
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