sábado, 20 de dezembro de 2008

Neurose e Linguagem Politicamente Correta

Conforme afirma o filósofo Olavo de Carvalho, a mente humana não raciocina através de dados sensíveis, mas através de símbolos, especialmente os símbolos lingüísticos. Conquanto uma linguagem evolua naturalmente para a melhor correspondência possível com a realidade, meios artificiais interferentes podem alterar radicalmente sua capacidade representativa, criando uma realidade postiça, só existente no plano da linguagem.

A partir desse ponto, o pensamento e o raciocínio ficam seriamente comprometidos.

Entre os artificialismos deturpadores da relação linguagem-realidade está o modismo politicamente correto. Iniciado nos Estados Unidos, o modismo politicamente correto tomou forma e foi exportado para o mundo. O distanciamento da realidade, sua truncagem e escotomas produzidos pela linguagem politicamente correta deriva para o ridículo, o humorístico e o autoritário toda a busca de conhecer e compreender a realidade. A realidade se torna inapreensível enquanto a linguagem vai-lhe tomando o lugar, até que, ao final, não sobra mais realidade para ser conhecida, somente uma linguagem para ser exercitada. Alguns exemplos vêm a calhar: o cachaceiro se torna dependente de álcool, o assassino se torna condenado por homicídio, o mendigo se torna morador de rua, o impotente sexual se torna portador de disfunção erétil e, pasmem, anão se torna portador de nanismo.

É tal o esforço para desidratar a palavra de seu referente concreto, esse patrimônio elaborado através dos anos, pelos embates com a realidade sensível e filtragens culturais que, ao final, parecem, as palavras, entidades ideais saídas de um reino ainda inexplorado.

Embora tendo sido forjada pelo movimento esquerdista com declarado objetivo político, a linguagem politicamente correta somente se sustenta porque encontra eco em alguma necessidade psicológica ainda não devidamente esclarecida. Vou identificar essa necessidade naquilo que Freud chamou negação. A negação (denegação) é um dos mecanismos de defesa do ego, auxiliar da repressão, desta se distinguido pelo maior acesso do sentimento (ou pensamento ou desejo) reprimido à consciência. Enquanto na repressão o desejo tem seu acesso totalmente bloqueado à consciência, na negação o desejo já se faz percebido pela consciência, sendo, contudo imediatamente recusado por causar, ainda, grande sofrimento à pessoa. Assim, por exemplo, uma pessoa que é realmente filha de uma puta, pode negar a relação para não sofrer uma tamanha dor moral (afinal, ser filho de uma puta deve, realmente, ser muito difícil de aceitar). Mas como negar um fato que a pessoa reconhece como verdadeiro, público e notório? Aí entra a linguagem politicamente correta. Muda-se de “filho da puta” para “filho de uma profissional do sexo”. Não podendo negar o fato, muda-se o nome do fato. Dessa forma, o sujeito não precisa tomar consciência plena da repugnância que tem por sua condição. O modelo explicativo serve também para toda a variedade de substituições da linguagem politicamente correta. Um anão que não aceita a palavra anão, na verdade não aceita é sua condição de anão. Se nega e projeta no “outro” a hostilidade que é contra si. A linguagem politicamente correta gera, em conclusão, uma falsa realidade, induzindo à neurose, vez que evita o doloroso, mas saudável confronto com as próprias limitações e com a realidade. Edson Moreira.

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