quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

O ABORTO E A MÍDIA BACANA

O roqueiro Tony Bellotto (Titãs), que tem um blog hospedado no site da VEJA, deu agora de se apresentar como paladino na defesa da luta secular que a razão trava contra as trevas da religião. Religião cristã, bem entendido. Seu foco agora é elogiar as iniciativas governamentais de abrir a discussão sobre a legalização do aborto.
É curioso como essas pessoas que se dizem iluministas, atéias, céticas, humanistas louvam as religiões orientais, especialmente o budismo, e atacam o cristianismo. Afinal seria o cristianismo, mesmo, as trevas que impedem que o mundo se torne o paraíso?
Algumas coisas precisam ser esclarecidas ou antes lembradas sobre a força e os efeitos dos princípios cristãos na construção de toda a civilização ocidental.
Será que os detratores do cristianismo sabem que foi o ensinamento do Cristo que deu origem à concepção de democracia e igualdade de direitos para todos? Vejamos. Entre os gregos já havia se estabelecido o conceito de democracia, mas era parcial, distribuído entre castas, as mais inferiores eram submetidas e até escravizadas, enfim, era uma cidadania discricionária. Entre os judeus já havia também a idéia salvífica de que Deus era o pai de todos e todos, portanto, seriam irmãos e, em conseqüência, iguais em direito. Mas era um privilégio para uma única nação: a nação dos hebreus. O resto da humanidade, portanto, já de saída, estava excluída da proteção divina, inferiores, de resto. Entre os praticantes do hinduísmo, havia e há mais de 700 castas, as quais têm direitos diferenciados.

O CRISTIANISMO É PAI ESPIRITUAL DA DEMOCRACIA
Pois bem, é a idéia fundadora do cristianismo de que Deus é o pai supremo de todos e a todos ama, tendo, a cada um, dado uma alma única e irrepetível, que faz de toda vida humana um ente sagrado, indispensável e potencialmente salva. É essa idéia de ser respeitado exclusivamente por ser humano e não porque tenha títulos, dinheiro ou qualquer atributo que está na base das democracias representativas ocidentais, sob o amparo de um estado de direito.
A ignorância é um campo curioso. Será que esses críticos sabem que, antes do advento do cristianismo, as crianças com algum tipo de deficiência eram abandonadas, e deixadas para morrer nas matas e pântanos? Quando hoje se percebe que todo o esforço para dotar os deficientes de todas as condições necessárias para o alcance de seu potencial (já há portadores de síndrome de Down com curso superior) é fruto de séculos da persistência cristã de que toda vida vale a pena (dada que foi pelo Criador) e deve receber todo o apoio para seu pleno desenvolvimento. Basta um olhar para as nações não-cristãs, como a China, para perceber seu completo desprezo pelas crianças deficientes. Também em culturas primitivas, ainda não cristianizadas, como certos silvícolas, é comum a prática da eugenia natura. O que é isso? É a prática da eliminação de crianças “defeituosas”.
A ignorância é um campo confuso. Será que esses ativistas da descrença já perceberam a flagrante diferença da situação da mulher nas nações cristãs e não-cristãs? Nestas, a mulher é completamente submetida, sem individualidade e sem autonomia para decidir sequer sua própria vida! Vejam as nações muçulmanas, vejam as nações orientais e comparem a liberdade e penetração que a mulher tem nos círculos do poder familiar, comunitário e político. Pois bem: antes do advento do cristianismo, era direito do homem, em praticamente todas as culturas, ter várias esposas. E estas eram quase suas servas, em tudo obedecendo ao “amado Senhor”. Recomendo assistirem ao maravilhoso filme “Lanternas Vermelhas”,1991, direção de
Yimou Zhang. Ao invés de se perguntar o porquê dessa liberdade da mulher nas nações cristãs, esses ativistas preferem engrossar movimentos feministas contra, pasmem, o cristianismo.

O ABORTO NÃO PODE SER ADMITIDO, POIS FERE DE MORTE O CRISTIANISMO
É compreensível que uma pessoa assustada e desesperada com uma gravidez, que sinta incapaz de sustentar, venha a cometer o aborto. Não se vai aqui atirar a pedra em quem comete esse pecado em momento de grande tormento emocional.
Mas é repugnante (existe outra palavra?) que pessoas, que não estejam vivendo a experiência da gravidez indesejada e emocionalmente transtornadas, na tranqüilidade, serenidade e conforto de seus lares pesem, meçam e articulem campanhas pró aborto. Como é que se pode entender que uma pessoa abandone seus afazeres para engrossar passeatas pelo aborto? Que mente doentia é capaz de se engajar em campanha pelo assassinato do mais indefeso? E ainda posar de amante da justiça e da razão?
Para o cristianismo, como foi acima citado, toda vida é fundamental. A vida é a pneuma divinae, o sopro de Deus, doação do Senhor. Atacá-la, mesmo em seus momentos iniciais, é matar a obra divina e é por isso que o cristão deve se opor inteiramente ao aborto, pena de morte, eutanásia etc.
De resto, seria mesmo o fim da civilização ocidental. Sem os princípios cristãos, seríamos facilmente dominados por ideologias extremistas (como o comunismo, por exemplo) ou religiões mais impositivas, como o islamismo. Uma coisa é certa, um mundo de mais liberdade e respeito pela pessoa humana decididamente não teríamos.
Por que falo de Tony Bellotto? É porque ele não é um. É uma legião de comunicadores, roqueiros, artistas, vanguardistas, contestadores, todos “gente bacana”, que têm enorme influência sobre os jovens. Por trás de seu anseio por mais justiça e liberdade, há uma brutal ignorância das bases históricas/espirituais que garantem o direito à expressão que estão exercendo quando expressam seu “grito libertário”. São garotos mimados a xingar a mãe quando não recebem seu pratinho diário de sucrilhos!

Edson Moreira

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sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

O SHOW DE FIM-DE-ANO DE ROBERTO CARLOS

Assisti na noite de Natal o show do Roberto transmitido pela Globo, como já virou tradição anual.

Fiquei extasiado! Quanta beleza, cuidado e competência. Me emocionei, deveras. Cheguei a me perguntar: como pode um artista cafona, com repertório idem, ficar tantos anos no topo da música brasileira?


Roberto começou a fazer sucesso no arcabouço de um movimento musical que acabou batizado de “Jovem Guarda”, no início dos anos 60, e logo se tornou seu principal expoente. O movimento foi forjado na esteira de uma abertura produzida pela “Bossa Nova” em relação à tradicional música brasileira, os sambas, modinhas, guarânias, caipiras, boleros etc. A Jovem Guarda consistia basicamente em clonar e adaptar para temáticas ingênuas urbanas o ritmo de um Rock inglês leve, incipiente, denominado “ié, ié, ié”, cujo principal representante eram os Beatles, em sua primeira fase.


Apesar da crítica musical da época ter rejeitado completamente a Jovem Guarda, o movimento não cessava de aumentar seu sucesso de público, tornando-se, logo, o gênero predominante em todo o Brasil durante a década de 60 e início da década de 70. A partir da derrocada do movimento, Roberto se transformou em cantor romântico, passou por diversas fases, mas nunca abandonou a temática das relações amorosas e um certo saudosismo de sua infância e família.
Pois bem, o que tem esse sexagenário cantor/compositor para prosseguir tantos anos no topo?


O show de ontem talvez nos ajude a encontrar a resposta.
Sempre agradável, sem parecer forçado, ainda que meio tímido, Roberto recebeu, primeiramente, a roqueira Rita Lee, acompanhada do marido Roberto Carvalho e do filho, ambos guitarristas. Fizeram uma espécie de desafio temático, em que a Rita cantou uma canção sobre carro (Papai me empresta o carro) e o Roberto respondeu com outra (“Parei na contra-mão”); em seguida, Rita cantou uma canção com o tema beijo (No escurinho do cinema), Roberto respondeu com a, há muito, ultrapassada “Splish, Splesh” e assim por diante.
em seguida, Rita cantou uma canção, digamos, sensual, a maravilhosa “Mania de você”:
"A gente faz amor
Por telepatiaTelepatia!
No chão, no mar, na lua
Na melodia..."


à qual Roberto respondeu com a apaixonadíssima "Eu e Ela"

"Eu e ela, eu e ela
Somos mais que dois amantes
Cada dia mais que antes
Nesse amor"


O efeito final dessa combinação foi simplesmente encantador!


Roberto depois recebeu Caetano Veloso para apresentarem juntos um pitada do disco que ambos fizeram este ano em comemoração aos 50 anos da Bossa Nova. Foi um encontro vistoso, há muito esperado. Caetano com sua competência e Roberto com sua simplicidade fizeram um casamento perfeito. Me emocionei bastante quando Caetano contou sobre o encontro que teve com Roberto na Inglaterra, onde estava exilado, por equívoco, no final dos anos 60. Roberto chegou à casa de Caetano levando uma composição dedicada ao compositor baiano (“Debaixo dos caracóis do seu cabelo”). Depois de apresentar essa canção, cantou para Caetano a inédita “As curvas da estrada de Santos”, levando Caetano às lágrimas. Sei de uma outra fonte que Caetano, em Londres, não conseguira se ambientar, passava horas a ouvir a canção “Georgia on my mind”, cantada por Ray Charles, e a chorar, permanentemente, de saudades do Brasil...

Em seguida, Roberto recebeu a dupla sertaneja goiana Zezé e Luciano. Outro encontro emocionante. Especialmente a canção "O portão". Ouvindo essa canção-poema, acho difícil não me lembrar de onde vim, de um determinado lugar, uma determinada família, enfim, que tenho uma origem, um patrimônio emocional.


A glória, contudo, veio com Neguinho da Beija-Flor cantando “Negra Ângela”:

“Hoje eu vi um lindo negro anjo
Anjo negro, lindo anjo
Negra Ângela”

Sua voz soava suave, plena, perfeita, envolvente. Roberto não ficou atrás respondendo com a belíssima “O côncavo e o convexo”:



“Nosso amor é assim, pra você e pra mim,
Como manda a receita
Nossas curvas se acham, nossas formas se encaixam,
Na medida perfeita”

Enfim, foi a apoteose da canção sensual/romântica na voz de dois mestres.
Poderia ter parado por aí. Achei desnecessária a entrada da bateria da Beija-flor. Nada acrescentou. Penso que na direção alguém achou que ficaria “bacana” colocar samba no especial do Roberto. É coisa do modismo politicamente correto. Perdoável nesse caso, em razão da exuberância do todo.

Senti, contudo, a falta do parceiro Erasmo Carlos (o que terá acontecido?).


Agora principio a entender porque o cafona Roberto Carlos continua tão prestigiado pelo povo e pela mídia brasileira: bom gosto, talento e simplicidade! Essas qualidades superam em muito sua cafonice. Por outro lado, parafraseando o jornalista Reinaldo Azevedo, quando diz que amadurecer é ter direito a preconceitos, eu penso que amadurecer é ter direito a cafonices. Roberto Carlos é minha cafonice!

Edson Moreira




quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

O NATAL EM CUBA



A percepção do Natal é sempre condicionada pela experiência que tivemos ainda crianças com essa festa da cristandade. Geralmente, a pessoa que teve uma vivência alegre e inspiradora do Natal, enquanto ainda criança, terá, quando adulta, aquela animação característica do Natal: um misto de gratidão e esperança que faz tudo adquirir brilho, intensidade e alegria. As ruas ficam mais iluminadas e bonitas, os vizinhos, os amigos, todos parecem um pouco melhores e a dor e o sofrimento parecem afastados. Ficamos mais generosos e compreensivos.
Uma outra circunstância pode fazer do Natal um acontecimento triste e vazio de sentido: consiste na situação em que as amarguras e decepções da vida atual superam as esperanças construídas ao longo dos Natais da infância. Um balanço negativo, que destrói a esperança, resulta amargura. Aí o Natal descamba para balanços, tristes balanços.
Não é o meu caso, felizmente. O Natal me sempre foi inspirador. Na infância, sem nenhuma opulência, consistia em meus primos irem para minha casa e de lá empreendermos toda a sorte de brincadeiras e jogos. Mais tarde, havia a missa-do-galo e, depois, uma ceia muito simples, mas muito, muito apetitosa. Me lembro da macarronada, da galinhada, algum doce e muito refrigerante (é, houve época em que tomar refrigerante era muito saudável e alegre).
Os folguedos consistiam em brincar na rua, assustar pessoas, brincadeiras de esconde-esconde, rivalidades, discussões, brigas e pacificações. Íamos às casas dos vizinhos para aproveitar de sua hospitalidade e de suas guloseimas.
A missa-do-galo era o ponto alto do Natal. Eu via o padre, os coroinhas, os marianos e outras patentes entrando engalanados em desfile pela igreja. Todo aquele ritual me passava um sentimento de seriedade e profundidade que não havia nas outras situações da vida. Acho que essa imagem carregada de afetividade de minhas muitas missas-do-galo gravaram em mim um profundo respeito pela religião, em especial, pela Igreja Católica, da qual nunca consegui me desvencilhar em toda minha vida (ainda bem!). As mulheres, de meninas a senhoras e vovós, com suas procissões, rezas e cantorias exalavam um ar (quase um perfume) de sobriedade, dignidade e tradição. Enfim, o Natal era um acontecimento que por muitas razões poderia ser adjetivado de mágico.
Hoje, depois de tantos anos, e eu já homem feito, ainda fico encantado pela magia do Natal. Contudo, ao contrário dos tempos infanto-juvenis, eu busco simbolizar esse sentimento. Isso de dar significado àquilo que deve basicamente ser sentido me preocupou durante algum tempo. Temia que essa tendência à simbolização esvaziasse a vivência de tal sorte que de vivente eu passaria à condição de espectador de minha própria vida. Hoje isso não é mais problema para mim. A significação, quando profunda, amplia a vivência e é, ela própria, uma maravilhosa vivência: sinto e sei que sinto!
À magia do Natal, hoje se soma o sentido profundo do que é o Natal. Sobressai mais a compreensão que a vivência. Compreensão de toda a beleza que o Natal representa. O Natal de Jesus reconstrói a esperança. Esperança não é esperar por algo que venha completar minhas carências materiais, afetivas ou espirituais. Esperança é antes a presentificação de uma completude, é o sentimento de termos tudo o que precisamos para ser felizes, embora nos falte tanto. Enfim, Esperança é a fé, o sentimento de estarmos protegidos de toda aflição possível. Essa Esperança, só posso entendê-la como a centelha divina em nossos corações. No Natal, Deus parece pródigo em liberar essas chamas luminosas. Talvez também ele comemore a vinda de Seu Filho amado.
Aqui entra a reflexão sobre o Natal em Cuba.
Também em Cuba o Natal já foi uma festa apaixonante. Veja trechos do depoimento extraído do blog do Noblat:
“Além da árvore de Natal e presépio nas casas cristãs, em muitos lugares celebravam-se as "posadas". O que eram? Uma folia em que pessoas de cidades inteiras se vestiam como Reis Magos ou pastores para sair pelas ruas cantando hinos natalinos. No dia 24, as famílias se reuniam para a ceia tipicamente crioula, composta de peixe, assados, yucca, salada de alface e tomate. E tinha a tradicional Missa do Galo à meia-noite.
Para a criançada, entretanto, o dia de maior alegria era 6 de janeiro, quando se encerrava o ciclo natalino com a festa da Epifania. Como assim? Bem, é que as crianças escreviam cartas a Melquior, Gaspar e Baltazar pedindo-lhes brinquedos. E, nesse dia, acordavam muito cedo para descobrirem que, em sua passagem, os Reis Magos haviam deixado os presentes para elas”.

E hoje, ver tudo isso se acabar repentinamente: “de forma radical, como aconteceu no início dos anos 60, por causa de uma sangrenta revolução política é triste. Os dias das festas natalinas em Cuba tornaram-se dias de trabalho comuns, sem qualquer significado especial... poucos cubanos hoje se lembram ou compreendem essas tradições”
Esse é o ponto: toda uma tradição de espiritualidade e esperança foi banida da vida dos cubanos. É lamentável, é triste, é trágico. Por isso, penso, que, neste Natal, os cristãos, sejam católicos, sejam evangélicos, devem voltar suas orações para todos os que sofrem e sobretudo para o povo cubano que, em mãos tiranas, teve expropriada sua Esperança.
FELIZ NATAL!
Edson Moreira

sábado, 20 de dezembro de 2008

Neurose e Linguagem Politicamente Correta

Conforme afirma o filósofo Olavo de Carvalho, a mente humana não raciocina através de dados sensíveis, mas através de símbolos, especialmente os símbolos lingüísticos. Conquanto uma linguagem evolua naturalmente para a melhor correspondência possível com a realidade, meios artificiais interferentes podem alterar radicalmente sua capacidade representativa, criando uma realidade postiça, só existente no plano da linguagem.

A partir desse ponto, o pensamento e o raciocínio ficam seriamente comprometidos.

Entre os artificialismos deturpadores da relação linguagem-realidade está o modismo politicamente correto. Iniciado nos Estados Unidos, o modismo politicamente correto tomou forma e foi exportado para o mundo. O distanciamento da realidade, sua truncagem e escotomas produzidos pela linguagem politicamente correta deriva para o ridículo, o humorístico e o autoritário toda a busca de conhecer e compreender a realidade. A realidade se torna inapreensível enquanto a linguagem vai-lhe tomando o lugar, até que, ao final, não sobra mais realidade para ser conhecida, somente uma linguagem para ser exercitada. Alguns exemplos vêm a calhar: o cachaceiro se torna dependente de álcool, o assassino se torna condenado por homicídio, o mendigo se torna morador de rua, o impotente sexual se torna portador de disfunção erétil e, pasmem, anão se torna portador de nanismo.

É tal o esforço para desidratar a palavra de seu referente concreto, esse patrimônio elaborado através dos anos, pelos embates com a realidade sensível e filtragens culturais que, ao final, parecem, as palavras, entidades ideais saídas de um reino ainda inexplorado.

Embora tendo sido forjada pelo movimento esquerdista com declarado objetivo político, a linguagem politicamente correta somente se sustenta porque encontra eco em alguma necessidade psicológica ainda não devidamente esclarecida. Vou identificar essa necessidade naquilo que Freud chamou negação. A negação (denegação) é um dos mecanismos de defesa do ego, auxiliar da repressão, desta se distinguido pelo maior acesso do sentimento (ou pensamento ou desejo) reprimido à consciência. Enquanto na repressão o desejo tem seu acesso totalmente bloqueado à consciência, na negação o desejo já se faz percebido pela consciência, sendo, contudo imediatamente recusado por causar, ainda, grande sofrimento à pessoa. Assim, por exemplo, uma pessoa que é realmente filha de uma puta, pode negar a relação para não sofrer uma tamanha dor moral (afinal, ser filho de uma puta deve, realmente, ser muito difícil de aceitar). Mas como negar um fato que a pessoa reconhece como verdadeiro, público e notório? Aí entra a linguagem politicamente correta. Muda-se de “filho da puta” para “filho de uma profissional do sexo”. Não podendo negar o fato, muda-se o nome do fato. Dessa forma, o sujeito não precisa tomar consciência plena da repugnância que tem por sua condição. O modelo explicativo serve também para toda a variedade de substituições da linguagem politicamente correta. Um anão que não aceita a palavra anão, na verdade não aceita é sua condição de anão. Se nega e projeta no “outro” a hostilidade que é contra si. A linguagem politicamente correta gera, em conclusão, uma falsa realidade, induzindo à neurose, vez que evita o doloroso, mas saudável confronto com as próprias limitações e com a realidade. Edson Moreira.

sábado, 22 de novembro de 2008

EROS E PSIQUE - O MITO ORIGINAL

Há muito, muito tempo atrás, quando a terra (Gaia) ainda ficava nas imediações do céu (Urano) e os deuses ainda desposavam humanos, ocorreu um romance que marcou para todo o sempre toda a espécie humana. Ainda hoje sentimos todas as suas conseqüências.

A história começa com o nascimento das três filhas do rei da Jônia. As duas irmãs mais velhas eram tão belas que não lhes faltaram pretendentes tão logo desabrocharam. Homens de toda a estirpe lhes pediam insistentemente a mão em casamento, de sorte que acabaram por cedo se casarem com reis de pequenas cidades próximas. A caçula, contudo, teve um destino diferente. Sua extraordinária beleza, jamais vista, passou a ser objeto de admiração e depois de adoração dos vizinhos e depois de toda a Jônia, Peloponeso e Grécia. Caravanas se formavam com o objetivo de simplesmente poder observá-la à distância em seu passeio matinal pelos jardins do palácio.
Sua fama se avantajou de tal forma que acabou por chamar a atenção da própria Afrodite. Esta deusa, filha do próprio Zeus, até então a mais bela criatura de céus e terra, era a própria expressão da entrega amorosa feminina, seja aos amantes, seja aos filhos. Nada negava e tudo fazia para agradar e dar prazer aos seus felizes concubinos. Contudo, se tratava igualmente da personalidade mais intensamente ciumenta de que se tinham e se davam notícias. Pois bem, essa deusa dedicada ao amor e ao ciúme, ao tomar conhecimento da indescritível beleza de Psique (este era o nome da jovem) sentiu-se insultada em sua singularidade bela. Tomada pela ira, indagava: “como pode uma simples mortal querer se bater comigo, a filha de Zeus? É justo se permitir tal abuso?” Assim perguntando e já respondendo no interesse da pergunta decidiu castigar a insolente, chamando para perpetrar o castigo seu próprio filho, agente de romances tórridos, encrencas e contendas sexuais. Incumbiu-o de usar seu nefasto poder para fazer com que a petulante se apaixonasse, sem volta, pela criatura mais feia, esquálida, imprestável e ignóbil que encontrasse. Seria este seu merecido castigo.
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Embora a beleza de Psique fosse inimaginável e, talvez, mesmo por isso, os possíveis pretendentes, tomados, quem sabe, por súbita consciência de sua pequenez e insuficiências, se intimidavam, claudicavam e não concluíam o intento de lhe pedir em casamento.
Psique, apesar de toda a lisonja e prestígio, era essencialmente simples e, da vida, só esperava mesmo poder desposar o ser amado, a ele devotar seu sentimento e com ele atravessar os dias difíceis da existência com felicidade e alegria.
Triste pela demora em encontrar o sonhado pretendente, Psique se queixou ao pai que, compreendendo sua angústia, foi ter com o velho oráculo que muito lhe tinha ajudado no passado. Disse-lhe o oráculo que o destino havia determinado que levasse sua jovem filha ao alto de uma montanha onde seria tomada em núpcias por um ser que jamais lhe mostraria o rosto, mas que, contra tudo e todos, esforçar-se-ia para proteger a nubente. Os pais, contudo, deveriam renunciar a qualquer contato futuro com a filha, devendo dela se despedir para sempre.
Chorosos, os pais prepararam o cortejo, levaram a noiva ao alto da escarpa e, de lá retornando, deixaram aos prantos sua filha caçula à espera do misterioso noivo.
Psique, enxugando as lágrimas, percebeu, abrindo-se uma clareira, que logo adiante, havia um suntuoso palácio cravejado de pedrarias que de longe se percebia uma miríade de pontos luminosos fazendo dia em toda a sua volta. Quase se esquecendo das apreensões, Psique se pôs animada a caminhar em direção ao palácio. Lá chegando, foi imediatamente atendida por vozes que se punham a seu dispor como se escravos fossem. Apressaram em preparar-lhe o banho e lhe prepararam magnífica ceia. Após toda essa atenção, Psique, excitada e animada, aguardava com ansiedade o anfitrião que viria a ser seu esposo. Disse-lhe a voz que deveria recolher-se a seus aposentos, apagar os candeeiros e aguardar que seu pretendente viesse desposá-la. Assim fazendo, Psique pôde receber em seu leito um marido carinhoso, delicado e amante de tal intensidade que houve de se apaixonar, irremediavelmente, mesmo sem lhe ter visto o rosto.
A mesma rotina de atenção, amor e paixão se seguiu, dia após dia, tornando Psique a mulher mais completamente feliz da terra, apesar da distância dos queridos pais e irmãs. A felicidade viria a tornar-se ainda maior pela constatação de que havia já um herdeiro em seu ventre.
O esposo, contudo, lhe havia feito jurar que jamais tentaria ver-lhe o rosto, acontecesse o que fosse, pois, caso contrário, nunca mais voltaria a vê-lo. Psique concordou, feliz, em manter o segredo do esposo e o matrimônio mais maravilhoso que podia experimentar um vivente.
Eros, o misterioso esposo, que, na verdade, era o enviado filho de Afrodite, ao ver Psique, imediatamente se apaixonou à primeira vista por sua formosura e, ao invés de lhe trazer um ignóbil ser, foi ele próprio às núpcias com Psique e deveria, agora, manter-se incógnito para não atrair a ira de sua mãe por sua traição.

AS IRMÃS DE PSIQUE

A dor da saudade dos pais de Psique não tardaram a mobilizar os sentimentos de suas duas irmãs mais velhas. Decidiram essas, então, deixar suas cidades e fazer uma visita à família e buscar melhor entendimento sobre o destino da irmã caçula.
Já com os pais, resolveram rumar para o alto da montanha em que Psique havia sido deixada e buscar-lhe os rastros.
Chorosas e aflitas no alto do monte, gritaram pelo nome de Psique. Seu clamor era tão triste, apaixonado e sentido, que Psique se compadeceu das irmãs e pediu a Zéfiro, deus do vento, que as trouxesse a seu palácio.
Assim fez o prestimoso Zéfiro: soprando suavemente, formou sob os pés das irmãs uma mão de ar que, suavemente, as transportou para a entrada do palácio em que residia Psique. Para as irmãs de Psique foi uma experiência de completo deslumbramento pela beleza e riqueza do lugar: paredes cravejadas de brilhantes, castiçais de ouro e prata, tapetes finos da Macedônia, enfim, tudo no maior requinte, riqueza e sofisticação.
Abraços trocados, choros convulsivos e a dor da saudade, foram substituídos por um estado de euforia e enorme alegria por estarem ali as irmãs de novo reunidas.
Foi um dia de muitos prazeres para as irmãs de Psique, a melhor comida, a mais requintada bebida, banho nos mais belos aposentos para banho, culminando ao fim da expedição com presentes em jóias de ouro tão maravilhosas que jamais haviam visto. Parecia mesmo um pedaço do Olimpo. Antes de partirem, contudo, perguntaram pelo esposo de Psique. Psique, embaraçada, respondeu, no intento de não levantar suspeitas, ser seu esposo um viajante, o mais belo dos homens, cabelos com cachos de ouro, sensível e de inesgotável fervor amoroso. Partiram as irmãs mal se dando conta de uma ponta de inveja daquela irmã caçula que vivia como uma deusa.

A MALIGNA FORÇA DA INVEJA

Mal retornando à casa dos pais as duas irmãs, com o coração tomado pelo veneno da inveja, encetaram uma conversa, primeiramente lamuriosa, mas findando em dar vazão ao pior do espírito. “Vistes, minha irmã, quanta riqueza naquela casa, tanto esplendor?”. “E o que dizer daquela exibição de bondade: nos esfregar na cara o quanto vive bem, come bem e é bem amada. Trata-se de uma vaidosa, insolente”. “E as jóias a nós presenteadas! Quis nos humilhar, a irritante.” “E o marido-deus belo e amante inesgotável. O que quer de nós a perversa?”. “Eu pergunto: é justo eu, a mais velha, ter-me casado com um rei falido que me expõe a uma vida de privações, sem brilho, festas ou suntuosidades?”. “E quanto a mim, amada irmã, jovem e bonita recebi em bodas eternas um marido velho, torto, calvo como uma abóbora, sovina que tudo segura, sempre desconfiado de meus charmes, cujo único prazer conjugal é eu friccionar-lhe os dedos, braços e pés tortos e paralisados. Enfim, é preciso falar claro, minha irmã: não agüento ver tanta felicidade cair naquelas mãos tolas, vaidosas e exibidas. Tanta soberba, orgulho e arrogância têm de ser punida”.

A TRAMA
Um odioso pacto foi concluído pelas odiosas criaturas: haveriam de se vingar da inocente irmã caçula. Em marcha estava um complô detestável, um parricídio.
Retornando mais uma vez à casa de Psique, as irmãs se apresentam solícitas e, fingindo preocupação, põe em ação seu plano diabólico. “Sabemos, pequena irmã, que estás a esperar um lindo bebê que irá coroar sua felicidade e mal esperamos para tê-lo no colo para afagar-lhe os cabêlos e cobri-lo de beijos e mimos”. “Contudo, devemos dizer-lhe: estás sob grave ameaça, você e seu rebento.” “Soubemos de fonte segura e não podemos mantê-la ignorante: o homem maravilhoso com quem se casou, na verdade, trata-se da mais vil e horrenda das criaturas, na verdade um monstro disfarçado. Espera que você dê à luz seu anjinho para devorá-la, tendo o pequeno como repasto”. “Perguntamos a você, oh inocente irmã, conheces mesmo aquele que recebes à noite em sua alcova? Nada percebestes de estranho na figura?”
Tais palavras abriram uma enorme fenda na mente de Psique. Um abismo se abriu. Sua convicção e certeza ruíram, dando lugar primeiro à dúvida, depois ao medo e, por fim, fraquejando e se entregou cega aos cuidados das maldosas irmãs.
“Oh, amadas irmãs, tenho de confessar-lhes: jamais vi o rosto de meu marido. Recebo-o todas as noites com os candeeiros apagados, a seu pedido, jamais explicado.” “Pois saibas o perigo a que se expõe você e seu amado filho: serão devorados logo que se dê o parto do inocente”. “Temos que agir para que tal não ocorra”. “Eis o plano: esconda nos aposentos um punhal longo e afiado e um candeeiro com suficiência de óleo. Após o amor, quando estiver a besta pesadamente entorpecida pelo primeiro sono, tu te levantas cuidadosamente e, esgueirando-se pelo ambiente, primeiramente acendas o candeeiro e, de posse do punhal, te aproximas da criatura e, em um único e decidido golpe, penetras todo o punhal na garganta da fera. É tua única chance. Tua e de teu filho.”
Após ter atiçado o coração de Psique com sua linguagem incendiária, partem as duas irmãs, mal se contendo de tanta felicidade por seu pérfido intento.

O ATO
Foi um dia tortuoso para Psique. As emoções travam um combate: ora ela quer, ora não quer, duvida, reafirma e treme, arrebata-se e fraqueja. Em poucas palavras, ela detesta o monstro, mas adora o marido, ambos no mesmo ser. Mas a noite virá e Psique se entrega aos preparativos da maldade.
Chegada a noite, como de costume, Psique apaga os candeeiros para que o marido adentre os aposentos. O marido vem a seu leito e Psique o recebe com tamanha intensidade no amor que Eros cai exausto após horas de entrega.
A força abandona Psique, o coração falha e o medo age. A sorte foi lançada e é impiedosa. Adeus timidez feminina! Psique se levanta, acende o candeeiro, recolhe o punhal e, iluminando o corpo do marido que jaz adormecido nu sobre a cama, ao invés de um monstro, uma criatura horrenda, depara-se com o mais belo dos homens: o corpo esculpido, os cabelos com cachos de ouro, os lábios grossos e vermelhos em uma atitude angelical de sono só encontrada naqueles que nada escondem, nenhuma malícia, nenhum intento torpe. Psique, de súbito, percebe o grave engano a que fora levada pelo maldoso intento de suas irmãs: não se tratava de um monstro, mas de um deus prestimoso e apaixonado que não se cansara de lhe advertir contra as tentações maldosas. Ainda mais apaixonada, ficou paralisada na contemplação do marido dormindo. Mas o êxtase a fez tremer a mão e, destino cruel, uma gota de óleo fervente foi cair no ombro do marido que prontamente despertou e logo atinou com o que havia sido perpetrado.
Eros, desapontado com a traição da amada, deu um passo atrás ao ver Psique implorando seu perdão, ajoelhada a seus pés. “Oh marido, o mais belo dos homens, deus do amor, meu prestimoso protetor incansável, eis que esta mulher, tendo sido levada à dúvida por pérfida trama de irmãs invejosas, lobos em pele de cordeiro, ousou contra ti o mais horrendo e detestável plano, pois bem, venho suplicar teu perdão, pois não saberia viver longe de ti. Me castigue como e quanto quiseres, mas imploro-te: perdoas-me”.
“Oh amantíssima e inesquecível Psique, oh amor mais puro, oh tu que tens no corpo o gosto do mel, que exalas o odor da hortelã, que dos lábios parece verter o mais delicioso leite, néctar da paixão e companhia terna. Digo, amor insubstituível, já não lhe posso mais proteger, já não lhe posso mais amar, já não lhe posso mais ter. Eis que minha mãe, a poderosa Afrodite, enviou-me para castigá-la por sua perturbadora beleza. Ao invés de filho obediente, pequei contra minha mãe e me dei a ti em bodas. Nada de mal permitiria que caísse sobre você, meu secreto amor. Pedi-te, supliquei-te que não desvendasse minha verdadeira identidade, mas você não me ouviu. Diante da súplica do amor, desviaste e permitiste que caísse sobre ti a dúvida, o medo e a destruição. Não acreditaste na beleza: preferiste o pérfido. Acenei-te com a sinceridade, tu me devolveste descrédito. De meu coração só saiu lealdade e de ti veio a traição. A teu lado dormi, inteiramente entregue. Tu dormiste com um olho fechado e o outro aberto. Nosso destino agora, gentil amada, será traçado por minha mãe, que não tardará a saber de meu embuste”. Concluindo essas palavras, o taciturno e cabisbaixo Eros, sem olhar para trás, se levanta em vôo para ter com sua mãe no Olimpo.


AFRODITE TRAÇA O DESTINO DE EROS E PSIQUE

“Minha mãe, poderosa Afrodite, a mais dedicada de todas as mães, sabendo de minha perfídia contra ti, venho colocar-me sob seu julgo e declarar plena aceitação da punição que a justiça divina me destinar. Nada pode justificar a traição que pratiquei contra ti e não ouso me desculpar, mas é preciso que lhe diga que o que fiz, fi-lo porque fui arrebatado pelo mais intenso, terno e puro dos sentimentos: ao ver PSIQUE, imediatamente caí apaixonado por aquela que jamais esquecerei.”
“Meu pobre EROS, como pôde se desviar do caminho que lhe tracei? Não é verdade que fostes dotado para a conquista e que nenhuma mulher jamais poderia resistir a ti? Acaso não fui eu que assim o pedi ao grande ZEUS? Uma única mulher em toda a Gaia não podias tocar e esse único e mísero pedido que lhe fiz tu houveste de relegar ao esquecimento. Pensa: mereço eu tal paga? Pois bem, eis minha sentença: EROS e PSIQUE jamais tornarão a se encontrar. Reconhecido ao longe, tua aparência se modificará ao te aproximares da pequena detestável. De um deus que és, te converterás em gentio simples. Conservarás a memória, mas perderás a aparência. Vagarão pela eternidade em furtivos e frustrados encontros. Agora parte em busca de seu destino!”

A CONSEQUÊNCIA PARA OS HUMANOS

Desde esse fatídico dia, a mente (PSIQUE) só faz buscar o amor (EROS) sem jamais encontrá-lo. Reconhecido ao longe, sempre confunde e desaparece quando de perto, num eterno buscar, buscar sem jamais encontrar. Não é mesma essa a condição humana? Responda você.

Releitura: E. M. B.

domingo, 9 de novembro de 2008

O QUE É RACISMO? E ONDE ESTÁ O RACISMO? A QUESTÃO BARACK

A noção mais simples de racismo diz respeito à crença de a que espécie humana, tal qual ocorre com outros animais, como, por exemplo, os cães, pode ser subdividida em raças, estas, sim, compostas de semelhanças físicas e intelectuais entre seus espécimes e diferenças inconciliáveis para os membros das outras raças. Dessa forma, as diferenças fundamentais entre negros, brancos, amarelos e silvícolas seriam inconciliáveis, cuja miscigenação redundaria em degeneração de toda a espécie humana.
Tal concepção preconceituosa tem sido utilizada ao longo de toda a história como forma de um povo manter e justificar moralmente a dominação sobre outro. É demais conhecida a história de como os judeus foram escravizados por egípicios, foram lançados à servidão pelos romanos e foram quase exterminados pelos alemães nacional-socialistas. Em toda a saga desse povo, sempre foram combatidos como inferiores, o que sua resistência milenar só prova o contrário.
Assim, o racismo tem sido usado, ao longo da história, por um povo para submeter outro.
Mas hoje: ainda é assim que é praticado o racismo? Acredito que não, especialmente no mundo ocidental, o racismo se sofisticou e foi instrumentalizado politicamente, quase passando despercebida sua forma de atuação. Explico.
Não vejo por aí nenhum grupo de brancos se organizando para submeter os negros, ou de negros para eliminar brancos, a não ser os casos de gangues que são devidamente reprimidas pela lei e pela polícia, além de contar com um sonoro repúdio social. Mas onde está o racismo?
O racismo é encontrado nas decisões privadas, individuais. Qualquer situação em que a pessoa é avaliada por um atributo étnico, como por exemplo a cor da pele, como sinal de sua conduta, capacidade ou inteligência é um ato racista. Também é racismo basear na cor da pele uma decisão sobre carreira, profissão ou vida acadêmica.
Assim, obviamente, o favorecimento de candidatos em concursos públicos em razão da cor da pele (quotas) é um brutal gesto de racismo, pois eleva o critério étnico a categoria de pensamento, capaz de definir quem é mais ou menos merecedor da aprovação, o que, por justiça, deveria ser decidido pelo desempenho do candidato.
A utilização política desse tipo de racismo é difundida e justificada em nome de reparações históricas e acabam por ser parcialmente aceitas por falta de uma crítica mais profunda de seus pressupostos. No final, o que os divulgadores e ativistas desse tipo de racismo desejam não é a harmonia social e o desenvolvimento do suposto grupo étnico, mas a divisão social e aí, sim, o estabelecimento de reações racistas.
Por essa razão, saudar o presidente eleito Barack Obama como o presidente “negro”, o salvador de um povo, fato histórico do século, messias negro, etc, etc é desviar para a cor da pele do Presidente Eleito o foco que deveria estar em suas idéias, convicções e programa de governo. Essa manifestação de toda a imprensa nacional deve, pois, ser denunciada como a mais intensa, orquestrada e estúpida manifestação de racismo.

Edson Moreira

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

PACIFISMO DE PASSEATA, ILUSÕES E MISTIFICAÇÕES


Vivemos hoje o permanente discurso da paz. Fala-se de paz na igreja, fala-se de paz na escola, fala-se de paz no trabalho, em reuniões de vizinhos, em festas, batizados e casamentos. Artistas vão à televisão “pedir” paz. Outros falam que o mundo precisa é de paz, a solução é a paz etc. Não ser militante pacifista chega a ser pior que ser um criminoso ordinário. Mas os eventos que mais marcam o discurso pela paz são as passetas e as instalações. Naquelas, artistas e figurões da mídia, todos de branco, expressam seu efusivo e profundo apelo pacifista; nestas, centenas de cruzes são fincadas na areia, simbolizando os mortos e vítimas de um mundo carente de paz!

Curioso é que, apesar da adesão geral e irrestrita, a paz, simplesmente... não acontece. Por que algo ansiado por todos (até onde sei, ninguém se apresentou contra a paz), com tamanha sinergia, não se converte em realidade? Deve haver algo de errado em um discurso universal que fracassa em seu intento. Esse imbróglio é o que vou tentar esclarecer neste post.

HIPOCRISIA E DISSOCIAÇÃO
De início, se observa que há uma lacuna entre o discurso e o efeito final, vale dizer, há uma diferença entre o discurso e a ação, quando o efeito prático é contrário ao discurso. Ao distanciamento entre o que se diz e o que se faz, quando conscientemente praticado, dá-se o nome de hipocrisia. Quando ocorre à margem da consciência pode-se dizer que se trata de uma dissociação.

A hipocrisia, como disse La Rochefoucauld , é “a homenagem que o vício presta à virtude” (“L’hypocrisie est un hommage que le vice rend à la vertu”), ou seja, em tudo o hipócrita tenta passar a aparência de que ama a virtude que, secretamente, despreza e rejeita. Esse sujeito dissimulado sabe que há risco de prejuízo para algum interesse seu, caso revele sua crença autêntica. Nesse sentido, pode-se dizer que muitos “pacifistas” não são, intimamente, pacifistas coisa nenhuma, mas usam esse rótulo para alcançar objetivos escusos. O exemplo clássico dessa estirpe é o protoditador venezuelano Hugo Chávez. O sujeito se proclama um pacifista ao exigir do governo colombiano a abertura de negociações com as FARCs (esta, um grupo de narcoguerrilheiros esquerdistas que seqüestram e matam civis e exportam cocaína para o mundo todo). O que o hipócrita ama verdadeiramente não é a paz, o embusteiro quer é dar status de grupo legítimo a seus parceiros terroristas na caminhada para consolidação de seu poder ditatorial não somente em seu país, mas em toda a américa latina. Ao exigir do governo constitucional colombiano algo que ele não pode atender (sentar-se à mesa com os narcoguerrilheiros e legitimar a conduta criminosa) o hipócrita faz pose para a mídia internacional de amante da paz enquanto verdadeiramente deseja destruir a ordem constitucional da Colômbia e instalar ali mais um de seus fantoches.

A dissociação é um dos chamados mecanismos de defesa do ego, estabelecido por Freud nos alvores da psicanálise. Consiste, basicamente, na co-existência na mesma personalidade de duas idéias incompatíveis entre si. O sujeito não se dá conta de que professa idéias, cuja validade de uma, exclui necessariamente a validade da outra. Por exemplo, o indivíduo que é extremamente cuidadoso e zeloso com a segurança da família, mas que ao dirigir se comporta irresponsavelmente cometendo todo o tipo de ações perigosas em alta velocidade. Ao ser questionado, o infrator afirma que é ilusão das pessoas e que ele é muito seguro na direção. Explicado o termo, vejamos como se aplica ao discurso pacifista. Um exemplo concreto de dissociação pode ser encontrado em um evento real noticiado ano passado. Um conhecido e importante ator global, com grande evidência até hoje, foi flagrado comprando drogas. Nada demais, vez que o consumo de drogas é muito difundido entre os artistas em geral. Ocorre, contudo, que o ator, no fim-de-semana anterior, havia participado, com toda a pompa e circunstância, de uma marcha pela paz no calçadão de Copacabana. O sujeito não se deu conta de que sendo comprador de drogas se torna parceiro financiador do traficante, com toda a sorte de crimes atrozes, assassinatos, seqüestros e mortes violentas decorrentes, justamente aquilo que visava coibir com sua “marcha pela paz”. Quantas e quantas pessoas se tornam consumidoras de produtos ilegais, ou seja, financiam crime (individual, de gangue, máfias e crime organizado) de um lado e de outro professam o seu louvor ao pacifismo?

A PAZ ESTÁ NA LEI
Embora passe despercebido, o traço que une tanto pacifismo hipócrita quanto o pacifismo dissociado é a desvinculação da paz do horizonte da Lei, como se fosse possível, no mundo civilizado, viver em paz sem a observância da Lei. O discurso pacifista busca construir atalhos para a paz fora do compromisso com a Lei. É esse o seu calcanhar-de-aquiles e por isso temos um discurso pacifista onipresente, cujo efeito prático é aumentar a ... insegurança!

Retomando um pouco a história da civilização ocidental, vamos encontrar dois marcos legais. No mundo heleno, a Lei, que até então, nessa e em outras culturas contemporâneas, já existia, foi elevada ao posto de principal fator institucional de solução de conflitos, superando a arbitragem e o despotismo. Também a tradição judaica sustenta a Lei como expressão da vontade de Deus para a solução dos conflitos.
Pois bem, toda essa tradição de amor, respeito e apego à Lei, ao longo do desenvolvimento histórico da civilização ocidental, garantidora de sociedades com baixíssimo nível de criminalidade, passou a ser sistematicamente desprezada, nas últimas décadas, em favor de ideologias que dispensam a obrigação de seguir as leis para se alcançar uma sociedade justa e pacífica, culminando na situação de praticamente guerra civil que chegamos hoje no Brasil. Ao general Santander, consolidador da independência da américa espanhola devemos a frase: "A independência conquistamos com as armas. A liberdade conquistaremos com as leis. " A Liberdade só existe em nações que aprenderam a amar a Lei.

Edson Moreira