sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

O SHOW DE FIM-DE-ANO DE ROBERTO CARLOS

Assisti na noite de Natal o show do Roberto transmitido pela Globo, como já virou tradição anual.

Fiquei extasiado! Quanta beleza, cuidado e competência. Me emocionei, deveras. Cheguei a me perguntar: como pode um artista cafona, com repertório idem, ficar tantos anos no topo da música brasileira?


Roberto começou a fazer sucesso no arcabouço de um movimento musical que acabou batizado de “Jovem Guarda”, no início dos anos 60, e logo se tornou seu principal expoente. O movimento foi forjado na esteira de uma abertura produzida pela “Bossa Nova” em relação à tradicional música brasileira, os sambas, modinhas, guarânias, caipiras, boleros etc. A Jovem Guarda consistia basicamente em clonar e adaptar para temáticas ingênuas urbanas o ritmo de um Rock inglês leve, incipiente, denominado “ié, ié, ié”, cujo principal representante eram os Beatles, em sua primeira fase.


Apesar da crítica musical da época ter rejeitado completamente a Jovem Guarda, o movimento não cessava de aumentar seu sucesso de público, tornando-se, logo, o gênero predominante em todo o Brasil durante a década de 60 e início da década de 70. A partir da derrocada do movimento, Roberto se transformou em cantor romântico, passou por diversas fases, mas nunca abandonou a temática das relações amorosas e um certo saudosismo de sua infância e família.
Pois bem, o que tem esse sexagenário cantor/compositor para prosseguir tantos anos no topo?


O show de ontem talvez nos ajude a encontrar a resposta.
Sempre agradável, sem parecer forçado, ainda que meio tímido, Roberto recebeu, primeiramente, a roqueira Rita Lee, acompanhada do marido Roberto Carvalho e do filho, ambos guitarristas. Fizeram uma espécie de desafio temático, em que a Rita cantou uma canção sobre carro (Papai me empresta o carro) e o Roberto respondeu com outra (“Parei na contra-mão”); em seguida, Rita cantou uma canção com o tema beijo (No escurinho do cinema), Roberto respondeu com a, há muito, ultrapassada “Splish, Splesh” e assim por diante.
em seguida, Rita cantou uma canção, digamos, sensual, a maravilhosa “Mania de você”:
"A gente faz amor
Por telepatiaTelepatia!
No chão, no mar, na lua
Na melodia..."


à qual Roberto respondeu com a apaixonadíssima "Eu e Ela"

"Eu e ela, eu e ela
Somos mais que dois amantes
Cada dia mais que antes
Nesse amor"


O efeito final dessa combinação foi simplesmente encantador!


Roberto depois recebeu Caetano Veloso para apresentarem juntos um pitada do disco que ambos fizeram este ano em comemoração aos 50 anos da Bossa Nova. Foi um encontro vistoso, há muito esperado. Caetano com sua competência e Roberto com sua simplicidade fizeram um casamento perfeito. Me emocionei bastante quando Caetano contou sobre o encontro que teve com Roberto na Inglaterra, onde estava exilado, por equívoco, no final dos anos 60. Roberto chegou à casa de Caetano levando uma composição dedicada ao compositor baiano (“Debaixo dos caracóis do seu cabelo”). Depois de apresentar essa canção, cantou para Caetano a inédita “As curvas da estrada de Santos”, levando Caetano às lágrimas. Sei de uma outra fonte que Caetano, em Londres, não conseguira se ambientar, passava horas a ouvir a canção “Georgia on my mind”, cantada por Ray Charles, e a chorar, permanentemente, de saudades do Brasil...

Em seguida, Roberto recebeu a dupla sertaneja goiana Zezé e Luciano. Outro encontro emocionante. Especialmente a canção "O portão". Ouvindo essa canção-poema, acho difícil não me lembrar de onde vim, de um determinado lugar, uma determinada família, enfim, que tenho uma origem, um patrimônio emocional.


A glória, contudo, veio com Neguinho da Beija-Flor cantando “Negra Ângela”:

“Hoje eu vi um lindo negro anjo
Anjo negro, lindo anjo
Negra Ângela”

Sua voz soava suave, plena, perfeita, envolvente. Roberto não ficou atrás respondendo com a belíssima “O côncavo e o convexo”:



“Nosso amor é assim, pra você e pra mim,
Como manda a receita
Nossas curvas se acham, nossas formas se encaixam,
Na medida perfeita”

Enfim, foi a apoteose da canção sensual/romântica na voz de dois mestres.
Poderia ter parado por aí. Achei desnecessária a entrada da bateria da Beija-flor. Nada acrescentou. Penso que na direção alguém achou que ficaria “bacana” colocar samba no especial do Roberto. É coisa do modismo politicamente correto. Perdoável nesse caso, em razão da exuberância do todo.

Senti, contudo, a falta do parceiro Erasmo Carlos (o que terá acontecido?).


Agora principio a entender porque o cafona Roberto Carlos continua tão prestigiado pelo povo e pela mídia brasileira: bom gosto, talento e simplicidade! Essas qualidades superam em muito sua cafonice. Por outro lado, parafraseando o jornalista Reinaldo Azevedo, quando diz que amadurecer é ter direito a preconceitos, eu penso que amadurecer é ter direito a cafonices. Roberto Carlos é minha cafonice!

Edson Moreira




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