terça-feira, 19 de janeiro de 2016

LIGAÇÕES PERIGOSAS: GLOBO APRESENTA UMA ADAPTAÇÃO DO ROMANCE HOMÔNIMO, ESCRITO PELO FRANCÊS CHORDELOS DE LACLOS QUASE UMA DÉCADA ANTES DA REVOLUÇÃO FRANCESA. POR VIAS TORTAS, É A PRODUÇÃO MAIS REVELADORA DAS TRANSFORMAÇÕES OCORRIDAS NO BRASIL NOS ÚLTIMOS 40 ANOS.

LIGAÇÕES PERIGOSAS: GLOBO APRESENTA UMA ADAPTAÇÃO DO ROMANCE HOMÔNIMO, ESCRITO PELO FRANCÊS CHORDELOS DE LACLOS QUASE UMA DÉCADA ANTES DA REVOLUÇÃO FRANCESA. POR VIAS TORTAS, É A PRODUÇÃO MAIS REVELADORA DAS TRANSFORMAÇÕES OCORRIDAS NO BRASIL NOS ÚLTIMOS 40 ANOS.
Em 1782, apenas sete anos antes da queda da Bastilha, Chordelos De Laclos publicou seu único e arrasador romance, Ligações Perigosas (Les liaisons dangereuses). Muitos são os críticos que querem concentrar a devassidão moral da França, detalhada na obra, em seus aspectos sexuais. É uma interpretação ligeira e rasa de uma obra que revelou as perturbações profundas que ocorriam na alma do povo francês, naquela época.
A nação francesa era, então, a mais rica e culta de toda a Europa e, portanto, do mundo. Também foi nessa época que os iluministas (sempre majoritariamente franceses) dominaram toda a cultura, pondo abaixo a liderança intelectual da Igreja. Como se sabe, os iluministas tinham um viés humanista, naquele sentido próprio de querer para o homem a última palavra em valores morais e espirituais. O homem, sendo o centro de todas as preocupações sociais, morais e espirituais liberava (alguns diriam: libertavam) o ser humano das amarras morais da Igreja. É claro que vivia. a Igreja, ondas de corrupção (como periodicamente ocorre), mas sua substituição, na liderança moral da sociedade, jogou as relações pessoais no raso da consciência individual. O homem deixou de ver “ seu caminhar sob o olhar Deus” e toda uma constelação de maldades, malícias e perversidades, até então incipientes, passou a dominar a alma do homem francês.
Ligações Perigosas revela, muito além da libertinagem sexual, revela o caminho e o diagrama da malícia, do cálculo e da maldade. Aquela sociedade já estava tão contaminada, de alto a baixo, pelo espírito iluminista, que a consagração da ciência e razão como sendo os guias morais, em lugar da religião, passou quase sem visibilidade nas relações cotidianas da vida comum, apesar de muito exaltada nas hostes intelectuais. Esse deslocamento do fundamento do eixo moral do pólo religioso para o pólo científico deixou várias gerações de franceses entregues a seus instintos e perversidades. A mente do homem comum, que dantes era unificada pelo sentido de um Deus que acompanhava e sabia de cada um de seus pensamentos e desejos, perdeu esse fundamento controlador e unificador, o que acabou levando à divisão do eu. O indivíduo passa a perceber, em si mesmo, suas várias facetas e desejos conflitantes, já não mais unificados em um eu. Passa a perceber em si que, ao tempo em que ama, também odeia; ao tempo em que é leal, também deseja a traição; Percebendo em si, logo começa a perceber também no outro, elevando o cálculo e a malícia ao centro decisório da personalidade.
Se se pode dizer que o iluminismo derrubou dogmas religiosos que limitavam a busca da felicidade pelo homem, igualmente, esse movimento liberou as forças individuais mais egoístas, instintivas e maldosas. É claro que a ciência NUNCA irá construir valores morais. A fonte dos valores morais sempre foi e sempre será a religião. É essa decadência moral, mostrada nas maquinações do visconde de Valmont e da marquesa de Merteuil, que revela Ligações Perigosas. Em poucas palavras, aquela sociedade deixou de acreditar na sinceridade e na verdade – tudo passou a depender da versão que se dê ao fato; ou da escolha pessoal da "verdade mais conveniente". A mente se desconectou de sua fonte Divina que lhe dá unidade e coerência e se dividiu em inúmeros interesses egoístas. O resultado foi o crescimento da barbárie em níveis nunca antes vistos. Basta lembrar aqui que a Revolução Francesa matou mais de trinta mil pessoas em menos de três anos, sendo algo inédito e jamais praticado na história do mundo ocidental: o assassinato político em massa. Muitos historiadores gostam de destacar a Revolução Francesa como origem da democracia ocidental (o que é, no mínimo, um exagero), mas se esquecem de relatar que foi também esse caótico período da França que deu origem às ideologias de massa, como NAZISMO, FASCISMO, SOCIALISMO e COMUNISMO.
O BRASIL DE HOJE E A ADAPTAÇÃO DA GLOBO
A fim de descrever a perda do sentido de humanidade nos brasileiros, começo contando uma pequena história ocorrida comigo, ainda na infância.
Era meados da década de 70, eu ainda uma criança. Havia no bairro de Campinas (a nossa conhecida Campininha) um contingente enorme de comerciantes, mascates, caixeiros-viajantes etc, que circulavam por ali, pois era um bairro que combinava residências em meio a um comércio intenso e muito desenvolvido. Entre essas pessoas, havia um mascate conhecido por Abrão, sujeito sem família, corriqueiro, que perambulava por ali, vendendo bugigangas e artigos para mulheres. Ocorreu que seu Abrão foi assassinado em seu pequeno barracão, ninguém sabe por quem; ninguém sabe porquê.
Eu, menino, não conhecia o desafortunado e as informações, que agora trago, me vieram depois de sua morte e as mantive em minha memória, não sei bem o por quê. Mas suspeito.
Me lembro bem de, em companhia de minha mãe e irmãos, termos comparecido ao velório desse homem, aparentemente solitário e sem raízes. Mas, para chegar até onde jazia o caixão com o defunto, em uma pequena sala do barracão (àquela época era muito comum velar os mortos em casa), tivemos que, pacientemente, por quase uma hora, ir seguindo na fila quilométrica que se formou para a última reverência. Na fila, as pessoas conversavam sobre os motivos da tragédia, que deveria ter sido por rixa de comércio, ou alguma mulher estaria envolvida, ou que alguém, de seu passado nebuloso e obscuro, teria voltado para um acerto de contas etc. Toda a curiosidade e toda a especulação, contudo, ficava em segundo plano. O traço que uniformizava toda aquela gente era a contenção reverente. As pessoas, visivelmente, se emocionavam, algumas até chegando às lágrimas, mas sem exageros. Havia ali uma profunda reverência para com o morto e o reconhecimento do destino inevitável da morte!
É certo que a comoção desatada pela morte do seu Abrão, foi, em parte, intensificada pela circunstância do assassinato. Um assassinato nos traz, ao primeiro plano da consciência, o quanto somos falíveis e impotentes para proteger nossa própria vida. Nele, temos a consciência aguda da morte, seu poder aterrorizante nos envolve e somos, por assim dizer, cozidos para a morte! Por isso nos identificamos com o destino trágico do morto e sofremos com ele. Tudo se traduz numa atitude de reverência, recolhimento e reflexão. Mas a reverência era comum, àquela época, a todas as formas de mortes.
Lembrei, aqui, o episódio da morte do seu Abrão, como de muitas outras que vivi na infância, para contrastá-la com a atitude geral de hoje.
O Brasil de hoje, parece estar no caminho, bem avançado, da mais completa insensibilidade com o ser humano. Vou falar no geral, mas vocês poderão encontrar, facilmente, um exemplo real específico, em suas vidas pessoais, do que afirmo. O fato é que as pessoas estão completamente frias com a morte. Talvez por causa dos 70 mil assassinatos por ano, o brasileiro médio seja capaz de se deparar com um cadáver na porta de sua casa, saltar sobre ele e seguir para o trabalho, como se nada tivesse ocorrido. Não enfatizo aqui, propriamente, a exorbitância da criminalidade: assassinatos cruéis em qualquer escala, assassinatos intrafamiliares, pessoas sendo esquartejadas e atiradas nos lixões ou córregos, cabeças cortadas e um sem-número de barbaridades. O que enfatizo aqui é a insensibilidade que se estabeleceu entre nós, primeiramente, para com a morte, e, em seguida para com a dor e sofrimento do próximo.
A distância temporal daqueles acontecimentos de meados dos anos 70, como a morte do “seu Abrão”, para os violentos assassinatos de hoje é de uns 40 anos, mas a distância em sensibilidade humana é incalculável. Aquela reverência para com a morte e os mortos (e também para com os vivos) parece coisa de uma outra civilização, perdida no fundo da memória. Percebe-se ter havido um anestesiamento, um esfriamento, para com o ser humano, em todas as áreas, sendo o crime e a morte somente sua expressão mais visível. O princípio de reação física só em último caso (base da convivência civilizada) veio sendo substituído pelo princípio sociopático (a vantagem é sempre a do mais agressivamente poderoso – seja por superioridade física, seja por estar mais bem armado, seja pela condição econômica).
Para as pessoas em estado civilizatório normal, sempre, na presença de um ser humano, há o envolvimento de certo cuidado, certo interesse, certa curiosidade cuidadosa com a pessoa. O ser humano é um universo inteiro e é esse o pano de fundo que domina as relações civilizadas. Queremos saber o original, o pessoal, o único daquele que está diante de nós. Parece haver riqueza nisso e uma grande fruição dessa riqueza é um exercício social. No final, essa disposição nos faz mais humanos e mais próximos do humano! Podemos, depois, não gostar da pessoa e criar conflitos e oposições, mas, no pano-de-fundo sempre há o bálsamo da consideração humana!
O brasileiro de hoje reserva certa dedicação aos familiares, mas, via- de- regra, com as outras pessoas, em geral, tem uma atitude de desvio e insensibilidade. O outro se torna o outro de Sartre: o inferno! Mas não o inferno da confrontação e da disputa. O inferno do distanciamento, do alheamento, da insensibilidade. O outro é apenas uma estorvo, um atrapalho; a não ser que possa ser convertido em alguma fonte de interesse.
Não há dúvida, o brasileiro decaiu na escala da civilização. Esse esfriamento, essa indiferença, contudo, não ocorreram por geração espontânea, antes, foram cuidadosamente preparados pelos engenheiros sociais revolucionários, anti-cristãos, que criaram antinomias irreconciliáveis, como: negros contra brancos; patrões contra empregados; homossexuais contra cristãos; gordos contra magros; maridos contra mulheres; filhos contra pais; crianças contra professores etc.
Tudo foi cuidadosamente preparado para que o ódio, a inveja e o confronto florescessem no País, mutação gramsciana da luta de classes marxista. Está claro que se trata de um ataque demoníaco. Daquele homem social dos anos 70, restou apenas o homem conveniente, adaptado às circunstâncias imediatas, mas carregado do mais profundo ódio social por todo aquele que, por condicionamento, aprendeu a odiar: se negro, odiar o branco e vice-versa; se gordo, odiar o magro; se pobre, odiar o rico; se gay, odiar o cristão; se mulher, odiar o homem, se empregado, odiar o patrão, se não tem casa, odiar aquele que tem, etc. Tanto ódio acumulado, ora se materializa nos 70 mil assassinatos por ano no país (uma guerra do Iraque por ano!); ora se materializa na mais profunda insensibilidade para com o ser humano.
E aqui, retomo a produção da Globo como emblemática e representativa desse quadra que nossa Nação atravessa. Enquanto a obra “Ligações Perigosas” da França do sec XVIII indicava a perda da unidade da alma humana em razão do apeamento de Deus da posição de observador universal, “Ligações Perigosas” de hoje indica o estado de letargia e desumanidade que domina a alma do brasileiro, criado pela exacerbação, até o limite do sociopático, de conflitos artificialmente criados.
. A insensibilidade com o humano é a maior vitória do diabo!

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